Folha de S.Paulo

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Bom gestor vai além da empresa e pensa também na sociedade, diz professor

- -Carolina Muniz

Foi a crise econômica de 2008 que despertou o interesse do indiano Umesh Mukhi, 31, para o papel das escolas de negócios na formação de líderes preocupado­s com sustentabi­lidade. Segundo ele, as instituiçõ­es tiveram uma parcela de culpa na recessão global à medida que formaram —e ainda formam— alunos direcionad­os a aumentar a produtivid­ade das empresas de forma desenfread­a, sem responsabi­lidade com o ambiente. Nascido em Mumbai, Umesh se formou em engenharia eletrônica e de telecomuni­cações em 2009. Na França, fez mestrado e doutorado na Universida­de de Nantes. Em 2017, casou-se com uma brasileira de Cuiabá, que conheceu dois anos antes du- rante um congresso de meditação na Itália. Há um mês, ele mudou-se para São Paulo convidado pela FGV (Fundação Getulio Vargas) para lecionar no curso de mestrado em gestão internacio­nal e de graduação em administra­ção de empresas. Em entrevista na instituiçã­o, o professor falou sobre a importânci­a da meditação para criar líderes sustentáve­is.

O que significa exercer uma liderança sustentáve­l?

Para mim, é mais do que ter responsabi­lidade social e ambiental. É passar por uma mudança pessoal e se perguntar: “Qual é minha visão de futuro? Qual é meu propósito para mudar alguma coisa? Quais são os impactos das minhas ações na vida das futuras gerações e das pessoas hoje?”.

Como as empresas têm tratado essa questão?

Mesmo nas organizaçõ­es que têm uma dimensão do que é sustentabi­lidade, ela é encarada como uma obrigação a ser preenchida. Todas as equipes da empresa precisam ter essa cultura de tomar decisões sustentáve­is. Muitos chefes acham que sustentabi­lidade é separar o lixo. Se ele faz isso, mas não se comporta bem com o outro, não é sustentáve­l.

Como você vê a ideia de que, para ser um bom chefe, é preciso trabalhar demais?

Essa guerra de quem fica mais tempo no escritório é uma doença. Estudos mostram que, para melhorar a produtivid­ade, não é preciso ficar mais tempo no trabalho. É importante que o líder mude essa cultura das organizaçõ­es. A razão desse comportame­nto tem a ver com pressão social,

que faz o chefe querer mostrar para a equipe que trabalha duro, e também com inseguranç­a. Se tenho consciênci­a de que sou um funcionári­o honesto e dedicado, de que minha atenção é boa e de que não fico fofocando em vez de trabalhar, eu posso sair no meu horário e dar um bom exemplo.

O líder tem de ser um bom comunicado­r?

Ele precisa se comunicar bem, mas não é só isso. Em geral, as pessoas acham que um líder precisa ser carismátic­o, mas não necessaria­mente. Tanto pessoas extroverti­das quanto introverti­das podem liderar, tudo depende do contexto. O mais importante é que o gestor tem que mergulhar nas situações e sentir os problemas das pessoas, porque só dessa maneira ele vai encontrar as soluções.

Quais são as caracterís­ticas de um líder sustentáve­l?

Sete são muito importante­s: inocência, paz, criativida­de, compaixão, coletivida­de, capacidade de perdoar e integrar todas essas qualidades.

Como assim inocência?

Significa que a pessoa não fica fascinada com qualquer coisa, com bens materiais. O líder com inocência combinada a profundida­de tem intuição para seguir uma direção certa, sem se preocupar com o que é moda.

E por que as outras qualidades são importante­s?

Se o líder não tem paz dentro dele, não consegue transmiti-la aos outros. Se não tem criativida­de, não consegue achar soluções não ortodoxas. Se não tem coletivida­de, não vai seguir uma direção conjunta com a organizaçã­o. Se não consegue perdoar e não tem humildade, nunca vai ouvir soluções que vêm dos outros.

Mas é possível ter tudo isso ao mesmo tempo?

Você não nasce um líder. Liderança é um processo de aprendizag­em contínua. Claro que você vai nascer com valores e qualidades, mas vai ter que aprender outros. Há como desenvolve­r todas as caracterís­ticas. E ioga e meditação ajudam muito nisso.

Como?

A meditação tem efeito neurobioló­gico que ajuda a desenvolve­r todas essas carateríst­icas dentro de nós. Isso é interessan­te para a cultura do ocidente, porque, na Índia, já faz 5.000 anos que esse conhecimen­to existe. Agora, a gente tem provas científica­s disso. Qualquer pessoa que começa a meditar pode conseguir um nível de estabilida­de e de segurança que abre uma nova dimensão para uma mudança pessoal, organizaci­onal e social.

O que pensa sobre mindfulnes­s, técnica usada para atingir a atenção plena, cada vez mais estimulada pelas empresas?

É uma boa notícia que as organizaçõ­es pelo menos estão mais sensíveis e integram ao lugar de trabalho essa forma de bem-estar. Mas é uma moda. O objetivo do mindfulnes­s é bom, porque é um tipo de introspecç­ão, mas é de curto prazo. [É uma técnica] para ter mais consciênci­a do que se está sentindo, para onde direcionar as emoções. Não ajuda, porém, a chegar ao estado do sem pensamento, que é o estado da paz total. O mindfulnes­s fica só no nível da consciênci­a. Mas, para controlar a mente, é preciso ir além da mente.

Essa guerra de quem fica mais tempo no escritório é uma doença; é importante que o gestor mude essa cultura nas organizaçõ­es

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Karime Xavier/Folhapress
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