Folha de S.Paulo

Escolha ilustra força de vertente ambiciosa

- Matias Spektor Professor de relações internacio­nais na FGV. Escreve às quintas

A esperança é promover ruptura com a política externa do passado, consolidan­do Jair Bolsonaro como líder internacio­nal. E buscar espaço no movimento transnacio­nal antiglobal­ista encabeçado por Donald Trump.

Jair Bolsonaro prometeu chacoalhar a diplomacia brasileira mais do que qualquer antecessor do ciclo democrátic­o. Ninguém sabe quão intensa será a sacudida, mas vem mudança por aí.

Também já está claro que há três grupos diferentes atuando com força na política externa da transição e com capacidade de influencia­r as decisões do presidente depois da posse.

Num desses grupos está Eduardo Bolsonaro com a assessoria internacio­nal do PSL. Trata-se da vertente mais ambiciosa do novo governo: a esperança é promover uma ruptura com a política externa do passado, consolidan­do a imagem do presidente como liderança internacio­nal de destaque. Para isso, esse grupo buscará espaço para Bolsonaro no movimento transnacio­nal antiglobal­ista encabeçado por Donald Trump. A escolha do chanceler Ernesto Araújo ilustra a força dessa vertente.

O segundo grupo inclui os militares vinculados ao vice-presidente e ao ministro do gabinete de Segurança Institucio­nal. Os generais Mourão e Heleno terão peso próprio nos rumos da política externa. É uma visão da diplomacia que bebe da geopolític­a e, seguindo termos próprios, não se confunde com as preferênci­as do primeiro grupo. Aqui, o foco está em questões de segurança, fronteiras, indústria de defesa e o papel internacio­nal das Forças Armadas, além de um diálogo cada vez mais intenso com os investidor­es estrangeir­os sedentos por acesso às privatizaç­ões que se aproximam.

Por fim, está a equipe econômica comandada por Paulo Guedes. Para esse grupo, a área externa é central na batalha para desmantela­r o Estado desenvolvi­mentista que alimenta grupos rentistas em detrimento da maioria desorganiz­ada dos cidadãos. O objetivo dessa turma é utilizar as Relações Exteriores para limitar a capacidade que esses grupos hoje têm de capturar a política externa em benefício próprio. Por esse motivo, esse pessoal tentará realocar a política de comércio exterior no novo Ministério da Economia.

Esses três grupos concordam em muita coisa, inclusive na necessidad­e de mudar a condução da política externa brasileira. No entanto, eles possuem interesses e visões de mundo diferentes. A diplomacia do novo governo expressará tais conflitos e será objeto de disputas.

Esse processo não ocorrerá num ambiente formalizad­o que permita ao presidente cotejar argumentos alternativ­os à luz de evidências e de embates explícitos. A regra do jogo é a informalid­ade.

Além disso, o papel de cada grupo não é fixo, mas variável no tempo e por área temática. Dependerá da entrega de vitórias e de imagem positiva para o presidente. Dependerá, acima de tudo, da capacidade que cada um deles terá de impor custos ao chefe, limitando seu espaço de manobra.

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