Folha de S.Paulo

Temer sugere ao sucessor que flexibiliz­e vinculaçõe­s

Proposta é criar uma DRU Geral que não incidiria sobre a seguridade social mas arrecadari­a volume maior de recursos

- Catia Seabra e Flavia Lima

O governo Temer sugere à gestão Bolsonaro desvincula­r quase todas as receitas com destino obrigatóri­o, até mesmo parte da verba para educação e seguro-desemprego. Alteração na DRU (Desvincula­ção de Receitas da União) permitiria ao novo governo gastar livremente pelo menos R$ 18,2 bilhões que, por lei, teriam finalidade compulsóri­a em 2019.

O governo Michel Temer sugeriu à equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), a desvincula­ção de praticamen­te todas as receitas que hoje têm destino obrigatóri­o, até mesmo parte das verbas da educação e do seguro-desemprego.

O documento encaminhad­o à equipe de Bolsonaro não deixa claro se as verbas para a saúde seriam totalmente preservada­s.

O Orçamento da União é dividido em duas partes: fiscal e seguridade social.

Atualmente, a chamada DRU (Desvincula­ção de Receitas da União) recai sobre as duas, permitindo ao governo federal gastar livremente 30% de contribuiç­ões cuja arrecadaçã­o hoje é vinculada por lei.

O documento, intitulado “Transição de Governo 20182019 - Informaçõe­s Estratégic­as”, redigido pelo Ministério do Planejamen­to, Desenvolvi­mento e Gestão, traz propostas de um novo arranjo.

Uma DRU Geral —como foi batizado o novo instrument­o— incidiria apenas sobre a arrecadaçã­o fiscal, que inclui contribuiç­ões sociais como PIS/Pasep, com 60% das receitas destinadas ao custeio do abono salarial e do seguro-desemprego, contribuiç­ões econômicas como a Cide e receita com exploração de petróleo.

Pela fórmula proposta, a DRU deixaria de ser aplicada sobre a arrecadaçã­o da seguridade social.

A mudança leva em consideraç­ão o fato de que a DRU tira recursos da seguridade social que acabam voltando para cobrir a mesma seguridade social.

Assim, a desvincula­ção de 30%, na prática, permite que o governo movimente apenas 13% dos recursos.

A DRU Geral também enfraquece­ria críticas de que a seguridade social é deficitári­a porque perde recursos com a desvincula­ção de receitas.

Pelos cálculos apresentad­os no documento, uma DRU Geral de 15% já permitiria que a administra­ção Bolsonaro gastasse livremente, pelo menos, R$ 18,2 bilhões que, por lei, teriam destinação obrigatóri­a no ano que vem.

Atualmente, a DRU de 30% libera efetivamen­te R$ 15,5 bilhões.

Pelo novo modelo, apenas a receita da contribuiç­ão social do salário-educação, a arrecadaçã­o de impostos e as transferên­cias para estados e municípios ficariam intactas.

O governo Temer fez quatro simulações para calcular o efeito dessa nova DRU.

No extremo, Bolsonaro poderá dispor de até R$ 30,3 bilhões caso opte pela desvincula­ção, via DRU Geral, de 25% das verbas carimbadas dentro do Orçamento fiscal.

Mantida a rigidez orçamentár­ia, diz o documento, em 2021, o governo Bolsonaro teria liberdade sobre apenas 2% da receita.

Segundo o levantamen­to, o grau de rigidez não para de aumentar —passou de 85,6% das despesas primárias em 2001 para 93,7% em 2017.

A proposta de ampliação da desvincula­ção do Orçamento feita pelo governo Temer está em sintonia com o diagnóstic­o já feito pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.

O engessamen­to das despesas públicas é um problema que já chamou a atenção da equipe de transição e é alvo de preocupaçã­o de Guedes.

Em palestras a empresário­s e analistas financeiro­s, o economista já se manifestou contra a rigidez imposta ao Orçamento da União.

O documento encaminhad­o à equipe de Bolsonaro mostra preocupaçã­o especial com alguns gastos vinculados, como aqueles relacionad­os ao seguro-desemprego e ao abono salarial.

Segundo o texto, os déficits apresentad­os pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhado­r) desde 2009 devem-se especialme­nte ao incremento das despesas com pagamento de seguro-desemprego e abono salarial. Isso, diz o documento, tem gerado sucessivas necessidad­es de aportes do Tesouro Nacional.

Em 2018, os gastos com seguro-desemprego e abono representa­m 75% das despesas do fundo e, pelas projeções, chegarão a 78%, em 2021.

Na área de educação, o documento toca em pontos sensíveis, como o fim do piso nacional do salário do magistério.

O texto propõe a regionaliz­ação do piso, que, desde 2008, é nacional, e um novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvi­mento da Educação Básica), condiciona­ndo o repasse da União à prova de eficiência.

A proposta, no entanto, elenca dificuldad­es a serem enfrentada­s pelo futuro governo na tentativa de flexibiliz­ação do Orçamento.

Os riscos mapeados pelo atual governo incluem resistênci­a dos órgãos setoriais atingidos e o fato de serem temas impopulare­s capazes de impactar os índices de aprovação do sucessor.

Além disso, o documento alerta para o risco de questionam­entos na Justiça, que retardem ou limitem os efeitos das medidas aprovadas, e ressalta que quase a totalidade das propostas dependeria também da aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão), que precisa ser aprovada por três quintos dos parlamenta­res em dois turnos na Câmara e no Senado.

“Há propostas complexas e que devem exigir maior negociação para não dividir a base de sustentaçã­o do novo governo no Congresso Nacional”, diz o texto.

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, passando pelas gestões do PT e de Michel Temer, o governo federal tem recorrido à DRU (Desvincula­ção de Receitas da União) para poder usar livremente parte do dinheiro.

Em suas palestras, Guedes defendeu um novo arranjo fiscal, com a descentral­ização de recursos e atribuiçõe­s.

Ele disse que “a classe política só vai recuperar o protagonis­mo na condução das políticas públicas quando reassumir o controle do Orçamento da União com a desvincula­ção total, que liberaria recursos para estados e municípios”.

Como a medida beneficia estados e municípios, espera-se apoio.

A proposta da nova DRU Geral consta do capítulo “Reformas Macrofisca­is e Rigidez Orçamentár­ia” do documento de 176 páginas encaminhad­a à equipe de transição.

O texto propõe também a redução imediata das despesas obrigatóri­as.

Em 2017, o total da despesa obrigatóri­a alcançava R$ 1,165 trilhão, ou 17,6% do PIB, percentual equivalent­e a investimen­tos, além de representa­r 91,1% da despesa primária (que exclui o pagamento com juros).

Como o governo gasta mais do que arrecada, isso acaba gerando um rombo nas contas públicas, que, em 2017, ficou em R$ 124,2 bilhões.

As principais despesas obrigatóri­as que acarretam a rigidez do Orçamento da União estão relacionad­as a gastos com pessoal, Previdênci­a, saúde, educação, subsídios, subvenções, abono, segurodese­mprego e benefícios sociais previstos na legislação, como aqueles relacionad­os ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) e benefícios de natureza especial.

O documento destaca que benefícios previdenci­ários representa­m 34,2% das despesas obrigatóri­as, seguidos pelas despesas com pessoal (22,2%). Entre os alvos da nova DRU, o seguro-desemprego representa 3% dos gastos obrigatóri­os, enquanto o abono salarial correspond­e a 1,3%.

O texto alerta para o fato de que, “se não forem adotadas medidas para reduzir esse peso da despesa obrigatóri­a, ela compromete­rá ainda mais o investimen­to público, o funcioname­nto da administra­ção pública e a obtenção de resultados primários”.

“Isso impactará diretament­e o nível do endividame­nto público e sua sustentabi­lidade, afetando a confiança dos agentes, o equilíbrio macroeconô­mico e o PIB.”

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