Lula e juíza têm confrontos em interrogatório
Ao ser interrogado pela primeira vez como réu após ter sido preso, ex-presidente disse que ações são farsa e que se considera um troféu
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a juíza substituta de Sergio Moro, Gabriela Hardt, discutiram diversas vezes durante interrogatório sobre o sítio de Atibaia (SP). Hardt reclamou do tom adotado por Lula em seu primeiro depoimento a ela.
curitiba e são paulo O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacou a Lava Jato, entrou em discussões com a juíza substituta de Sergio Moro e negou ter recebido vantagens indevidas de empreiteiras em interrogatório nesta quarta (14) no processo no sítio de Atibaia (SP).
Foi a primeira vez que Lula depôs como réu após ter sido preso em abril por ter sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do tríplex de Guarujá. Ele nega as acusações.
Também é a primeira vez que a juíza Gabriela Hardt, que substitui Moro na 13ª Vara de Curitiba, interroga o ex-presidente. Durante o depoimento de quase três horas, ela e Lula se confrontaram em diversos momentos.
“Eu me considero um troféu, que a Lava Jato precisava entregar”, afirmou Lula à juíza no final do depoimento.
No processo, o ex-presidente é acusado de ter sido beneficiado indevidamente com reformas de R$ 1,02 milhão das empreiteiras Odebrecht e OAS em imóvel frequentado por ele e por sua família no interior de São Paulo.
Lula é réu desde 2017 neste caso sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro.
Durante o depoimento, o ex-presidente disse que as ações que responde em Curitiba são farsas.
Ele afirmou que não sabia que as empreiteiras fizeram reformas no sítio e também disse duvidar que a ex-primeira dama Marisa Letícia, morta em 2017, pediu para que as empresas tocassem obras no local.
Oficialmente, metade do sítio está no nome de Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar, amigo que fundou o PT com Lula. A outra pertence formalmente ao empresário Jonas Suassuna. As reformas da Odebrecht foram reveladas pela Folha em 2016.
Lula afirmou que esteve no sítio pela primeira vez em 2011 para passar um fim de semana, ao saber que o sítio era de Jacó Bittar. Depois, passou a ir frequentemente ao local.
Questionado se foi oferecido a ele o quarto principal do imóvel, afirmou: “Isso era uma deferência que eu recebia, tanto lá na chácara quanto no palácio da rainha da Inglaterra, como no palácio da rainha da Suécia. Em vários lugares que frequentei, inclusive no Kremlin”, disse.
O ex-presidente negou que tenha pedido reformas no sítio, e disse que jamais conversou com os empreiteiros Emílio Odebrecht ou Leo Pinheiro, da OAS, sobre o tema.
Desde o início, Lula afirmou que o acusaram de ser dono do sítio, o que ele contesta.
Isso provocou a primeira discussão entre o ex-presidente e a juíza. Ela respondeu que o Ministério Público afirma que ele foi beneficiário das obras e que a acusação apenas perpassa a possibilidade de ele ser o dono, de fato, da propriedade.
Nesse momento, Lula subiu o tom. “Eu estou disposto a responder toda e qualquer pergunta. Eu sou dono do sítio ou não?”
“Isso o senhor que tem que responder, não eu. Eu não estou sendo interrogada nesse momento”, rebateu Hardt.
“Isso é um interrogatório e se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”, afirmou a juíza.
No fim do depoimento, o ex-presidente voltou a discutir com Hardt. Ao falar da acusação do tríplex, em que ele foi condenado, diz que quando viu o Power Point que a força-tarefa da Lava Jato fez citando como o chefe do esquema de corrupção na Petrobras, pediu ao PT “que todos os filiados abrissem processo contra o Ministério Público”.
“O senhor está intimidando a acusação assim, senhor presidente, vamos mudar o tom. O senhor está instigando a acusação ao intimidar o Ministério Público, não vou permitir”, respondeu Hardt.
Houve, ainda, momento em que Lula afirmou que o doleiro e delator Alberto Youssef, que colaborou nos casos Banestado e na Lava Jato, era amigo de Moro. Ele foi novamente repreendido por Hardt.
“É melhor o senhor parar com isso”, pediu a juíza.
Em várias passagens do interrogatório, o ex-presidente negou que as obras feitas no sítio tivessem a finalidade de beneficiá-lo. Ele afirmou que não pediu nenhuma melhoria.
“Eu vou lá porque o dono do sítio me autorizou a ir lá, tá? Que bens pessoais que eu tinha no sítio? Cueca? Roupa de dormir? Sabe, isso eu tenho em qualquer lugar que eu vou. E nenhum empresário pode afirmar que o sítio é meu se ele não for meu.”
Já perto do fim da audiência, um dos advogados pediu licença para se retirar da sala, explicando que já havia afirmado que precisaria sair por causa de outro compromisso. Lula então fez uma piada: “Me leva com você”.
A juíza, ao ouvir o pedido direcionado ao advogado, interveio: “Se o senhor quiser ficar em silêncio, também podemos encerrar. O senhor quer responder às outras perguntas ou quer encerrar?”.
Lula ficou calado, e o depoimento prosseguiu.
No depoimento, Lula reafirmou desconhecer pagamentos de propina para o PT e detalhes a respeito da reforma do sítio de Atibaia. “O que sei é o que a imprensa publica todo dia. Quando vejo na TV e nos jornais alguém dizer que havia uma conta no meu nome sem que eu soubesse, no mínimo achou que sou um imbecil.”
Também afirmou não ter conhecimento de notas relativas à obra encontradas pelo polícia em seu apartamento em São Bernardo do Campo.
“Olha, primeiro não sei se foram encontradas [em meu apartamento]. Estou sabendo disso agora. Nunca soube de nota de obra na minha casa.”
Disse, contudo, que Marisa Letícia poderia ter comprado alguns objetos para o sítio.
Em delação premiada, o empresário Leo Pinheiro disse que a reforma do sítio e a do tríplex foram custeadas por uma conta geral que a empreiteira tinha com o PT.
“Eu nego veementemente. Nego a existência dessa conta”, disse o ex-presidente. “Não sei quem fez essa reforma da cozinha”, afirmou.
“Se a reforma foi feita, entendo que alguém pagou. Ou a Marisa ou Fernando [Bittar, proprietário legal do sítio] pagaram.”
“Eu não paguei. Não falei com eles sobre isso. Estamos falando de 2014. Não era mais presidente da República, nem disputava mais eleições. Sempre parti do pressuposto de que o cara fez um serviço, ele recebe pelo serviço”, disse.
Em depoimento na segunda, Bittar declarou que as reformas feitas na propriedade, para ele, estavam sendo pagas pelo petista e sua família —e não por empreiteiras.
Também interrogado nesta quarta, o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, negou participação em pagamentos pela reforma. Ele disse que sua única participação foi apresentar à mulher de Lula uma empresa para realização da obra. E que a compra do local seria uma surpresa ao ex-presidente, para que ele a família pudessem desfrutar após o fim do mandato.
Ao contrário de audiências passadas (este é o terceiro interrogatório de Lula na Justiça Federal do Paraná), o esquema de segurança foi reduzido, e apenas a praça em frente ao prédio foi interditada.
Cerca de 150 manifestantes em apoio a Lula se concentraram no local, e não houve confrontos.