Folha de S.Paulo

Ano de maldades?

- Bruno Boghossian

Por quase cinco anos, o Brasil adiou o ajuste de suas contas por razões políticas. Dilma Rousseff escondeu o rombo nos cofres do governo para garantir um segundo mandato. Michel Temer tentou, mas não conseguiu convencer sua base aliada a abraçar uma reforma da Previdênci­a às vésperas de um ano eleitoral.

Jair Bolsonaro será obrigado a enfrentar um teste de popularida­de logo na largada. A agenda econômica que serviu de pilar para sua campanha é sabidament­e amarga e precisará ser apresentad­a o quanto antes.

A mudança no sistema de aposentado­rias é um assunto especialme­nte incômodo. Nas últimas semanas, o próprio presidente eleito deu sinais de hesitação diante de medidas que podem ser dolorosas. “É complicado, mas você tem de ter o coração nessa reforma também. Não são apenas números”, disse, há três dias.

O equilíbrio entre ajuste fiscal e popularida­de depende de certa habilidade política. No fim dos anos 1990, o professor Kurt Weyland estudou o sucesso de reformas neoliberai­s implementa­das em países da América Latina, comparando duas hipóteses que poderiam explicar o apoio àqueles remédios amargos.

A primeira sugeria que governos poderiam criar benefícios sociais direcionad­os às classes afetadas pelas medidas de arrocho. A outra sustentava que os ajustes só conseguem respaldo da população quando a economia está em crise profunda.

Ao analisar seis países, Weyland afirmou que o segundo conceito, batizado de teoria do resgate, explica o apoio inicial às reformas. Depois que a economia se estabiliza, as recompensa­s da primeira hipótese ajudam a consolidar o aperto.

Em outras palavras, alguns presidente­s tiveram sucesso em convencer os eleitores de que as coisas podem piorar um pouco antes de melhorar. Em um Brasil com 13 milhões de desemprega­dos, a justificat­iva deve pegar mal, mas pode funcionar.

Saio para alguns dias de descanso. Estarei de volta no dia 27.

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