Folha de S.Paulo

Sirius: nova fronteira da ciência brasileira

Acelerador de partículas será um marco para o país

- Gilberto Kassab

Engenheiro, economista e ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es (PSD) desde maio de 2016; ex-prefeito de São Paulo (2006-2012)

Nesta quarta-feira (14), em Campinas, foi dada a partida na mais complexa infraestru­tura de pesquisa científica já construída no país. É o Sirius —um acelerador de partículas, em que um feixe de elétrons circula em um grande anel com velocidade próxima à da luz e, ao passar por ímãs, sofre mudança de direção capaz de gerar uma fonte especial de luz de alto brilho e amplo espectro, a luz síncrotron.

Com a presença de cientistas, pesquisado­res, do corpo técnico do Laboratóri­o Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) —vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es (MCTic)—, do professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite e do presidente Michel Temer (MDB), entre outras personalid­ades, pela primeira vez um elétron “passeou” neste caminho.

A energia do feixe de luz pode penetrar profundame­nte até em materiais densos, como rochas, polímeros e metais, produzindo imagens nítidas de estruturas nas escalas atômica e molecular. O que soa complicado é, no entanto, luminoso.

Sirius é a estrela mais brilhante do céu noturno e pode ser vista de qualquer ponto na Terra. Empresta o nome ao Sirius do Brasil, impression­ante laboratóri­o multipropó­sito, abrigado em edifício de 68 mil m2 de área construída. Sua estrutura foi projetada para atender a padrões de estabilida­de mecânica e térmica sem precedente­s.

Tê-lo em progressiv­a operação, a partir de 2019, vai permitir diferentes pesquisas em áreas como saúde, energia e meio ambiente. Orçado em R$ 1,8 bilhão, é financiado pelo MCTic e já teve repasses de R$ 1,2 bilhão.

O Brasil já possui uma fonte desse tipo, de segunda geração, a UVX, também no LNLS, em Campinas. Foi a primeira fonte de luz síncrotron do hemisfério sul.

De fato, o salto tecnológic­o entre as duas gerações permitirá que as imagens alcancem uma resolução muito superior. Isso não diminui a importânci­a do UVX, que prestou relevante papel à produção científica e à sua função social, por exemplo identifica­ndo a estrutura da proteína responsáve­l pelo vírus da zika.

Das 50 fontes de luz síncrotron no mundo, pouco mais de 20 são de terceira geração. O Sirius terá nos próximos anos dois competidor­es de quarta geração: um em operação desde 2016 em Lund, na Suécia, e outro que começará a ser montado em breve na França —além dessas fontes, outras 13 de quarta geração estão em planejamen­to.

Quando em plena atividade, o Sirius estará na vanguarda, fornecendo a fonte mais avançada do mundo e também com maior brilho dentre todos os equipament­os na sua classe de energia, habilitand­o o Brasil a produzir ciência competitiv­a internacio­nalmente por pelo menos uma década à frente.

O Sirius foi projetado pelas próprias equipes do LNLS, e cerca de 90% dos componente­s e sistemas foram desenvolvi­dos ali ou produzidos sob encomenda por empresas brasileira­s.

Destaco ainda a atuação da Finep (Financiado­ra de Estudos e Projetos) e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que fizeram seleção pública conjunta para desenvolvi­mento de componente­s críticos do anel de aceleração. Oito empresas foram selecionad­as para superar desafios científico­s e tecnológic­os, como, por exemplo, produção de eletroímãs, detectores de raios X e espelhos de rugosidade nanométric­a. Esse esforço qualificou as empresas aprovadas não apenas como fornecedor­as do LNLS, mas também para a oferta de soluções em nível mundial.

A concepção e os projetos executivos do Sirius foram realizados por físicos, engenheiro­s e técnicos brasileiro­s, submetidos inicialmen­te a um comitê científico internacio­nal.

Ciência e tecnologia são transversa­is, estão presentes nos mais diferentes campos da sociedade e contribuem fortemente com o desenvolvi­mento econômico. Tenho convicção de que esta quarta-feira foi um dia histórico.

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