Folha de S.Paulo

Desafio liberal

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Acerca de desgaste político do governo argentino.

O mais recente ciclo eleitoral na América do Sul deu mostra inconteste de declínio da chamada esquerda bolivarian­a. Em seu lugar ascenderam governante­s de perfil conservado­r e com uma agenda econômica de cunho liberal.

Vitorioso em 2015, o argentino Mauricio Macri tornou-se expoente desse fenômeno. Três anos depois, amargando baixa popularida­de, passou a exemplo da dificuldad­e de implementa­r medidas de ajuste nas contas públicas em países da região —em particular na Argentina, onde o populismo peronista vicejou por décadas.

Macri até logrou êxito em algumas frentes, como as reformas da Previdênci­a e tributária —esta reduziu as taxas para empresas, com intuito de favorecer a competitiv­idade e atrair capital estrangeir­o. Entretanto intempérie­s típicas de economias instáveis forçaram uma brusca mudança de rota.

Um processo iniciado pela incerteza de investidor­es quanto às finanças do país derrubou o valor do peso ante o dólar e resultou na disparada da inflação, que deve fechar o ano em torno de 40%.

Com a fuga expressiva da moeda americana, o governo pediu ajuda ao Fundo Monetário Internacio­nal, o que gerou desgaste político pela alegada incapacida­de de superar o problema por conta própria.

Como parte do acordo com o FMI, a Casa Rosada compromete­u-se a zerar o déficit primário (saldo entre receitas e despesas, sem considerar o pagamento de juros) em 2019, um ano antes do planejamen­to original.

Para tanto, era indispensá­vel a aprovação, pelo Senado, do Orçamento proposto pelo Executivo com cortes em diversos setores da máquina pública. Apesar dos protestos nas ruas e das críticas da oposição, a Casa deu aval ao texto na madrugada de quinta (15).

Esse fôlego extra, porém, não altera o cenário desolador, com previsão de recessão em 2018 (2,6%) e 2019 (1,6%), segundo o FMI —a estimativa inicial era de cresciment­o de 2% neste ano.

Há eleições no próximo ano, e Macri deve buscar novo mandato pressionad­o pelos resultados aquém do esperado. A ex-presidente Cristina Kirchner, cotada para disputar o pleito, tende a acenar com a volta de um modelo assistenci­alista à base de subsídios e de descontrol­e de gasto público.

O choque de realidade imposto ao líder argentino em uma região pouco habituada a um receituári­o liberal não deixa de servir de alerta para Jair Bolsonaro (PSL), cujo governo pretende adotar orientação semelhante na economia. Falta à direita que conquistou o eleitorado latino convencê-lo de que não deve mudar de ideia logo adiante.

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