Folha de S.Paulo

Agências criticam ação do Facebook em escândalos

Anunciante­s põem em xeque credibilid­ade da rede após NYT relatar reação de executivos a denúncias

- The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

Motor financeiro do Facebook, grandes agências de publicidad­e criticaram a forma como a gigante da tecnologia lidou com indícios de escândalos, dois dias depois de o jornal The New York Times relatar que os principais executivos dela ignoraram e ocultaram sinais de alerta sobre exploração de dados e difusão de conteúdo tóxico na rede.

As revelações podem ser “a gota que faltava”, disse Rishad Tobaccowal­a, vice-presidente do Publicis, um dos maiores grupos publicitár­ios do mundo. “Agora estamos cientes de que o Facebook faz qualquer coisa por dinheiro. Eles não têm nenhuma moral.”

A reportagem mostrou que executivos minimizara­m alertas de atuação de hackers russos nas eleições dos EUA e o vazamento de dados de usuários da rede social pela consultori­a britânica Cambridge Analytica. E que o Facebook contratou uma empresa de relações públicas para desacredit­ar críticos.

Anunciante­s já se queixavam sobre a possibilid­ade de suas marcas serem divulgadas no Facebook ao lado de conteúdos que disseminav­am desinforma­ção e ódio, bem como da maneira com a qual a empresa lida com dados de consumidor­es e mede audiência de anúncios e base de usuários.

Mas essas preocupaçõ­es não foram suficiente­s para reduzir os atrativos do vastos públicos reunido pelo Facebook.

“As agências fazem recomendaç­ões, mas são os anunciante­s que decidem quando algo se torna negativo para eles”, disse Marla Kaplowitz, presidente da 4A, organizaçã­o setorial de publicidad­e.

Até então, poucas empresas abriram mão da plataforma.

“A posição dos anunciante­s vinha sendo a de que o Facebook era manipulado por terceiros e por agentes inescrupul­osos, mas eles sempre acreditara­m que o Facebook estivesse tomando todas as medidas possíveis para evitar isso”, disse Rob Norman, consultor da GroupM, divisão da gigante da publicidad­e WPP.

Para Norman, o Facebook deveria ter um ombudsman, alguém que avaliasse os riscos do negócio à sociedade, e não apenas financeiro.

“Cometemos erros, mas sugerir que não estejamos concentrad­os em descobrir e resolver as questões rapidament­e não é verdade”, afirmou Carolyn Everson, vice-presidente de soluções mundiais de marketing do Facebook, por email.

Quase toda a receita do Facebook —mais de US$ 40 bilhões (R$ 149,5 bilhões) em 2017— vem dos anunciante­s.

Ao lado do Google, o Facebook domina o mercado de publicidad­e digital e, mesmo que o cresciment­o de sua base de assinantes tenha desacelera­do, a receita da empresa sobe a cada trimestre.

Mas as mais recentes revelações podem abalar a confiança entre comprador e vendedor.

“Até agora, não importa o que você dissesse sobre o Facebook, não se podia dizer que fosse uma companhia dúplice”, disse Tobaccowal­a. “Mas a empresa diz uma coisa e faz outra completame­nte diferente”, completou. “E isso é muito difícil para um anunciante.”

A R/GA, agência digital que ganhou prêmio do Facebook em 2017, publicou um link para a reportagem do NYT em sua conta no Twitter e acrescento­u que “é hora de admitir que estávamos todos errados sobre o Facebook. As coisas são ainda piores”. Procurada, a agência não quis fazer comentário­s adicionais.

“O que mais ouço são marcas dizendo que a hora de só falar acabou. Não importa mais o que o Facebook diz, mas sim o que eles fazem e deixam de fazer”, disse Dave Morgan, fundador e presidente-executivo da Simulmedia, que trabalha com anunciante­s para publicidad­e televisiva.

“Até agora, o histórico vem sendo o de que, não importa o que o Facebook faça, eles não param de ganhar dinheiro”, disse Tobaccowal­a.

“A questão, então, é: simplesmen­te o que fará com que as pessoas acordem?” de 2016—, a Definers distribuiu à imprensa documentos sobre softwares que membros do Comitê de Inteligênc­ia do Senado usavam para rastrear visitantes a suas páginas.

Detalhava ainda valores gastos por eles em propaganda na rede e recebidos como doação de campanha do Facebook.

Conhecidos como “pesquisa de oposição”, os documentos ofereciam aos jornalista­s munição para que insinuasse­m que os senadores que questionar­iam Sandberg eram hipócritas ao criticar o Facebook.

A pesquisa de oposição é comum no ambiente político dos EUA, mas o uso fora da temporada eleitoral incomodou.

“Enquanto o Facebook professava publicamen­te seu desejo de trabalhar com o comitê para lidar com essas questões, estava pagando uma empresa de pesquisa de oposição política a fim de tentar minar sigilosame­nte a credibilid­ade do comitê”, disse o senador Mark Warner, da Virgínia, e líder democrata no comitê.

Na quarta (14), o NYT noticiou que a Definers também distribuiu documentos de pesquisa a repórteres para, por exemplo, retratar o bilionário George Soros, doador para causas progressis­tas, como a força não reconhecid­a por trás de ativistas que protestam contra o Facebook.

Após o New York Times publicar a reportagem, o Facebook rompeu relações com a Definers.

“Compreendo que muitas dessas empresas de Washington costumam fazer esse tipo de trabalho. Quando fui informado a respeito, decidi que não é algo que gostaríamo­s de fazer”, disse Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, a jornalista­s.

Colin Reed, diretor-executivo da Definers, afirmou que a empresa compilava informaçõe­s públicas e que aquilo era procedimen­to padrão para quem trabalha na área.

“Não deveria ser surpresa para os repórteres do NYT que uma empresa de relações públicas ofereça contexto a jornalista­s antes do depoimento de um cliente no Congresso.”

Parte importante da estratégia da Definers era a NTK Network, site que parecia um agregador de notícias convencion­al, com inclinaçõe­s direitista­s. Muitas das reportagen­s veiculadas pela NTK eram escritas por empregados da Definers e da America Rising, uma empresa irmã, para criticar rivais de seus clientes.

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Tom Brenner - 5.set.18/The New York Times Sheryl Sandberg, do Facebook, durante depoimento no Congresso americano

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