Agências criticam ação do Facebook em escândalos
Anunciantes põem em xeque credibilidade da rede após NYT relatar reação de executivos a denúncias
Motor financeiro do Facebook, grandes agências de publicidade criticaram a forma como a gigante da tecnologia lidou com indícios de escândalos, dois dias depois de o jornal The New York Times relatar que os principais executivos dela ignoraram e ocultaram sinais de alerta sobre exploração de dados e difusão de conteúdo tóxico na rede.
As revelações podem ser “a gota que faltava”, disse Rishad Tobaccowala, vice-presidente do Publicis, um dos maiores grupos publicitários do mundo. “Agora estamos cientes de que o Facebook faz qualquer coisa por dinheiro. Eles não têm nenhuma moral.”
A reportagem mostrou que executivos minimizaram alertas de atuação de hackers russos nas eleições dos EUA e o vazamento de dados de usuários da rede social pela consultoria britânica Cambridge Analytica. E que o Facebook contratou uma empresa de relações públicas para desacreditar críticos.
Anunciantes já se queixavam sobre a possibilidade de suas marcas serem divulgadas no Facebook ao lado de conteúdos que disseminavam desinformação e ódio, bem como da maneira com a qual a empresa lida com dados de consumidores e mede audiência de anúncios e base de usuários.
Mas essas preocupações não foram suficientes para reduzir os atrativos do vastos públicos reunido pelo Facebook.
“As agências fazem recomendações, mas são os anunciantes que decidem quando algo se torna negativo para eles”, disse Marla Kaplowitz, presidente da 4A, organização setorial de publicidade.
Até então, poucas empresas abriram mão da plataforma.
“A posição dos anunciantes vinha sendo a de que o Facebook era manipulado por terceiros e por agentes inescrupulosos, mas eles sempre acreditaram que o Facebook estivesse tomando todas as medidas possíveis para evitar isso”, disse Rob Norman, consultor da GroupM, divisão da gigante da publicidade WPP.
Para Norman, o Facebook deveria ter um ombudsman, alguém que avaliasse os riscos do negócio à sociedade, e não apenas financeiro.
“Cometemos erros, mas sugerir que não estejamos concentrados em descobrir e resolver as questões rapidamente não é verdade”, afirmou Carolyn Everson, vice-presidente de soluções mundiais de marketing do Facebook, por email.
Quase toda a receita do Facebook —mais de US$ 40 bilhões (R$ 149,5 bilhões) em 2017— vem dos anunciantes.
Ao lado do Google, o Facebook domina o mercado de publicidade digital e, mesmo que o crescimento de sua base de assinantes tenha desacelerado, a receita da empresa sobe a cada trimestre.
Mas as mais recentes revelações podem abalar a confiança entre comprador e vendedor.
“Até agora, não importa o que você dissesse sobre o Facebook, não se podia dizer que fosse uma companhia dúplice”, disse Tobaccowala. “Mas a empresa diz uma coisa e faz outra completamente diferente”, completou. “E isso é muito difícil para um anunciante.”
A R/GA, agência digital que ganhou prêmio do Facebook em 2017, publicou um link para a reportagem do NYT em sua conta no Twitter e acrescentou que “é hora de admitir que estávamos todos errados sobre o Facebook. As coisas são ainda piores”. Procurada, a agência não quis fazer comentários adicionais.
“O que mais ouço são marcas dizendo que a hora de só falar acabou. Não importa mais o que o Facebook diz, mas sim o que eles fazem e deixam de fazer”, disse Dave Morgan, fundador e presidente-executivo da Simulmedia, que trabalha com anunciantes para publicidade televisiva.
“Até agora, o histórico vem sendo o de que, não importa o que o Facebook faça, eles não param de ganhar dinheiro”, disse Tobaccowala.
“A questão, então, é: simplesmente o que fará com que as pessoas acordem?” de 2016—, a Definers distribuiu à imprensa documentos sobre softwares que membros do Comitê de Inteligência do Senado usavam para rastrear visitantes a suas páginas.
Detalhava ainda valores gastos por eles em propaganda na rede e recebidos como doação de campanha do Facebook.
Conhecidos como “pesquisa de oposição”, os documentos ofereciam aos jornalistas munição para que insinuassem que os senadores que questionariam Sandberg eram hipócritas ao criticar o Facebook.
A pesquisa de oposição é comum no ambiente político dos EUA, mas o uso fora da temporada eleitoral incomodou.
“Enquanto o Facebook professava publicamente seu desejo de trabalhar com o comitê para lidar com essas questões, estava pagando uma empresa de pesquisa de oposição política a fim de tentar minar sigilosamente a credibilidade do comitê”, disse o senador Mark Warner, da Virgínia, e líder democrata no comitê.
Na quarta (14), o NYT noticiou que a Definers também distribuiu documentos de pesquisa a repórteres para, por exemplo, retratar o bilionário George Soros, doador para causas progressistas, como a força não reconhecida por trás de ativistas que protestam contra o Facebook.
Após o New York Times publicar a reportagem, o Facebook rompeu relações com a Definers.
“Compreendo que muitas dessas empresas de Washington costumam fazer esse tipo de trabalho. Quando fui informado a respeito, decidi que não é algo que gostaríamos de fazer”, disse Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, a jornalistas.
Colin Reed, diretor-executivo da Definers, afirmou que a empresa compilava informações públicas e que aquilo era procedimento padrão para quem trabalha na área.
“Não deveria ser surpresa para os repórteres do NYT que uma empresa de relações públicas ofereça contexto a jornalistas antes do depoimento de um cliente no Congresso.”
Parte importante da estratégia da Definers era a NTK Network, site que parecia um agregador de notícias convencional, com inclinações direitistas. Muitas das reportagens veiculadas pela NTK eram escritas por empregados da Definers e da America Rising, uma empresa irmã, para criticar rivais de seus clientes.