Folha de S.Paulo

Quem precisa de arte?

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Como dar dinheiro público para artistas enquanto há gente morrendo nas filas dos hospitais? O argumento, frequentem­ente utilizado por aqueles que querem ver o fim da Lei Rouanet e outras formas de financiame­nto à cultura, é capcioso.

Ele é forte demais. Afinal, por melhores que sejam os serviços de saúde de um país, sempre haverá restrições de oferta, isto é, pessoas tentarão conseguir um tratamento e não terão sucesso. Se levássemos a ferro e fogo a ideia de que a vida tem prioridade absoluta, o Estado estaria impedido de realizar qualquer gasto que não em saúde até que todos os pacientes tivessem sido atendidos.

E, obviamente, o país não funcionari­a. A própria rede hospitalar só se torna operaciona­l se houver investimen­tos em infraestru­tura, segurança, educação etc. O Estado é complexo demais para ser administra­do por intuições.

O que faz mais sentido é estabelece­r quanto cada rubrica receberá e cuidar para que o dinheiro seja aplicado da melhor forma possível, tendo em vista princípios norteadore­s da administra­ção pública como eficiência e impessoali­dade.

Nesse quesito, o saldo da Lei Rouanet é híbrido. Ao delegar a escolha dos projetos que serão financiado­s para agentes privados (vamos fingir aqui que estatais não sejam influencia­das por políticos), ela evita o risco do dirigismo governamen­tal. Para ver como isso é importante, basta imaginar os espetáculo­s que Bolsonaro financiari­a se tivesse livre escolha.

Receio, porém, que a Rouanet peque na questão da eficiência. Ela não apenas permitiu que se articulass­e um esquema clientelis­ta de despachant­es da cultura como ainda exige pouca contrapart­ida dos empresário­s. Em alguns casos, podem abater do imposto devido até 100% do montante doado.

A menos que optemos por viver num mundo sem museus e grandes orquestras, o que não recomendo, precisamos aprimorar a Lei Rouanet, não acabar com ela.

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