Folha de S.Paulo

A empada que matou o guarda

- Alvaro Costa e Silva

rio de janeiro Em texto publicado nesta Folha, em 1991, Otto Lara Resende dava uma receita para viver em tempos de crise política. Emprestara a ideia a seu amigo Rubem Braga: ficar de olho nas frutas da estação. Se a situação era mais aguda, com ameaça de tanques descidos da Vila Militar, o velho Braga pegava o telefone e aconselhav­a ver a coisa de perto: “Vamos ao bar Luís, na rua da Carioca?”.

Lá chegando, começar com um chope preto duplo. Rebater com um louro, também duplo. Para acompanhar, salsichão com bastante mostarda. Saciada a sede e forrado o estômago, voltar pelo aterro do Flamengo, “onde se pode exercer o direito da livre eructação”. Se nada disso bastasse, era necessário descobrir um pastel de palmito na zona norte. Comida a iguaria dos deuses, os dois confrades enfrentari­am até o caos.

Pois algumas mudanças de hábitos na alimentaçã­o do carioca indicam que a crise é mais grave do que se imagina. Primeiro foi a pipoca que, nas versões com leite condensado, queijo, manteiga ou bacon, passou a ser servida com pinça, para evitar que as mãos fiquem meladas.

Novidade importada de São Paulo, o milho cozido agora vem num pratinho, debulhado, para comer com garfo —adeus dentadas nas espigas. Em certos quiosques da Barra, ninguém mais morde um hambúrguer se não estiver usando luvas de plástico. (Quando esse pessoal descobrir o sorvete de casquinha que tipo de aparato será necessário?)

Por sorte, a baixa gastronomi­a resiste nos botequins mais vagabundos, pronta a ser devorada sem frescura: caldinhos de siri ou mocotó, bolinhos de feijoada ou de angu recheado com rabada, ovo colorido, paçoca de carne-seca, pé de porco, acarajés, alheiras, coraçãozin­hos, moelas, torresmos, sardinhas, tremoços, jilós marinados e sacanagens com ou sem pimenta. E aquela empada que matou o guarda. Se o tempo fechar na política, tenho o endereço de onde a servem.

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