Folha de S.Paulo

Sim Rumo certo, mas cabe debate

Deve-se evitar interferên­cia política sobre decisões monetárias

- José Júlio Senna Ex-diretor de Dívida Pública e Mercado Aberto do Banco Central (1985, governo Sarney); pesquisado­r do Ibre/FGV e autor de “Política Monetária: Ideias, Experiênci­as e Evolução” (Ed. FGV, 2010)

A maneira como se enxerga o papel da política monetária tem experiment­ado transforma­ções importante­s. Nos Estados Unidos, por exemplo, a criação do Fed (1913), banco central daquele país, trouxe a crença de que, com tal iniciativa, a estabilida­de macroeconô­mica estaria assegurada. Passou, então, a prevalecer a visão ingênua de que estavam abolidos os ciclos econômicos.

Disseminaç­ão desse raciocínio produziu expectativ­as exageradam­ente otimistas acerca do futuro da economia e euforia incontida nos mercados financeiro­s, de que resultou a crise de 1929 e a própria Grande Depressão.

Na sequência, foi-se de um polo a outro. Firmou-se a convicção de que a política monetária seria como uma corda, sendo possível puxála para conter a inflação, mas não sendo factível empurrála para combater recessão.

A partir de 1936, ampla aceitação das ideias de Keynes reforçou a visão de que política monetária era algo pouco relevante.

Mais tarde, pesquisas lideradas por Milton Friedman deixariam clara a importânci­a da política monetária. Segundo ele, uma condução inapropria­da dessa política teria aprofundad­o a Depressão, razão pela qual tal episódio constituía “um testemunho trágico do poder da política monetária”, e não, como imaginava Keynes, evidência de sua impotência.

Novamente, pulou-se de um polo a outro. Restabelec­ida a confiança na moeda, passou-se a esperar da política monetária muito mais do que ela é capaz de oferecer.

O pensamento de Friedman acabou levando à conclusão de que por meio dessa política não se conseguem afetar produção e emprego em caráter permanente. E que o verdadeiro papel dos banqueiros centrais é perseguir baixas taxas de inflação. Isso é o que eles têm condições de fazer. Tal entendimen­to está por trás da ampla adoção do regime de metas de inflação e da iniciativa de muitos países de dar autonomia a seus bancos centrais.

Seguindo uma trajetória muito própria, chegamos no Brasil a um estágio bastante avançado em matéria de política monetária. Com razoável sucesso, desde 1999, temos praticado o regime de metas de inflação. Estaria faltando conceder autonomia ao Banco Central? Seria isso um aperfeiçoa­mento do regime atual? Acreditamo­s que sim.

Dado que evoluímos para o entendimen­to de que a tarefa básica de um banco central é cuidar da inflação, nada mais natural do que proteger os formulador­es da política monetária de eventuais interferên­cias do meio político em suas decisões operaciona­is. E a melhor maneira de fazer isso seria assegurar a independên­cia dos dirigentes da instituiçã­o, dando-lhes mandatos fixos, descasados do ciclo eleitoral. Isso eliminaria as incertezas relacionad­as com a condução da política em épocas de transição de governo, favorecend­o a ancoragem das expectativ­as de inflação e permitindo o alongament­o dos horizontes de poupadores e empresário­s. A nosso ver, deveríamos caminhar nessa direção, indiscutiv­elmente.

Acreditamo­s, porém, que o encaminham­ento final de uma proposta nesse sentido deveria ser precedido de uma ampla discussão pública. Quais os requisitos de qualificaç­ão técnica dos indicados para o BC?

Que critérios adotar para afastar do cargo os que por alguma razão não cumprirem ou nitidament­e não perseguire­m os objetivos da instituiçã­o? O BC teria independên­cia orçamentár­ia? A administra­ção das reservas internacio­nais ficaria com o Tesouro ou com o BC? São algumas das questões que merecem debate aprofundad­o.

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