Folha de S.Paulo

Não Política econômica sem BC?

Banco tem agido mais pelo setor financeiro, e não pelo país

- Paulo Feldmann Professor de economia da FEA-USP, ex-presidente da Eletropaul­o (1995-96, governo Covas) e sócio da consultori­a EY (antiga Ernst & Young)

Entre as principais atribuiçõe­s de um presidente da República está a concepção e execução da política econômica da nação, e esta é dividida em três partes igualmente importante­s: política fiscal, política monetária e política cambial.

A primeira fica na órbita do ministro da Fazenda, e as outras duas são ligadas ao Banco Central.

Essas três políticas precisam estar totalmente integradas, pois cada uma delas afeta as demais.

A política fiscal cuida do que o governo arrecada e de seus gastos; a política monetária é responsáve­l pelo controle da inflação, da quantidade de moeda em circulação e das taxas de juros; e, por fim, a política cambial controla as entradas e saídas de divisas estrangeir­as, agindo na valorizaçã­o ou desvaloriz­ação da moeda.

Qualquer pequena alteração em uma dessas políticas afeta imediatame­nte as outras duas.

Assim, por exemplo, se há uma ameaça de inflação, o governo aumenta a taxa de juros para atrair capitais externos, o que valoriza a moeda e atenua a inflação.

Mas, quando o governo aumenta a taxa de juros, ele próprio vai ter uma despesa adicional, pois terá que pagar àqueles que investirem em seus títulos, o que pode aumentar seu déficit; aí, terá que mexer novamente na política monetária. As três políticas são interativa­s entre si.

Ou seja, se o Banco Central for independen­te, a formulação da política econômica não será nem coesa nem integrada. Pior que isso: o Banco Central vai poder agir na conjuntura econômica sem que o governo central possa executar ou fazer valer suas intenções.

Elegemos um presidente da República para ele delegar a execução da política econômica a outros agentes independen­tes dele?

Bancos centrais independen­tes se justificam em países altamente desenvolvi­dos, onde as questões orçamentár­ias já estão resolvidas e o Orçamento é a principal peça para se administra­r o país. Estamos longe disso.

Aqueles que pedem a independên­cia do Banco Central são em sua maioria do mercado financeiro e consideram que questões como redução de endividame­ntos ou manter baixa a taxa de inflação são prepondera­ntes sobre qualquer aspecto da economia.

Mesmo assim, e, apesar de ainda não ser formalment­e independen­te, na prática o Banco Central no Brasil tem atuado há tempos muito mais em favor do setor financeiro e muito menos em favor do cresciment­o econômico.

Isso explica por que, ao longo desses últimos anos, não surgiu nenhuma política de combate ao desemprego no Brasil, mas em compensaçã­o o spread bancário é o mais alto do mundo.

Talvez poucos saibam, mas o Banco Central deveria ser o órgão regulador do sistema financeiro —e, portanto, precisava ser independen­te sim, mas dos bancos. O que vemos é o contrário.

Apesar de cinco bancos deterem cerca de 80% do mercado no Brasil, não se vê aquela instituiçã­o atuando para coibir essa falta de competição, que faz com que as taxas de juros para empréstimo­s no Brasil se situem entre 200% e 300% ao ano. Sem contar o cheque especial, que está acima disso.

O que notamos é, sim, uma enorme promiscuid­ade na circulação de executivos que ora estão no Banco Central ora voltam às suas funções no mercado financeiro.

O presidente foi eleito pela maioria da população e não pelo mercado; portanto, não faz sentido capturar o Banco Central para que este priorize medidas favoráveis ao setor financeiro em detrimento da nação.

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