Folha de S.Paulo

Insatisfaç­ão do brasileiro com condição de vida explica eleição, diz analista

- Sylvia Colombo

A insatisfaç­ão dos brasileiro­s com suas condições de vida explica a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidênci­a mais que os escândalos de corrupção ou o desgaste do PT, na opinião da chilena Marta Lagos, diretora do Latinobaró­metro, que realiza anualmente pesquisa sobre o desempenho da democracia em 18 países da América Latina.

“A queda da satisfação dos brasileiro­s com suas condições de vida caiu quase 20 pontos desde 2010, isso é algo muito acentuado. Creio que isso explica a eleição de Bolsonaro muito mais do que o desgaste do PT ou os escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato”, afirma ela em entrevista à Folha.

Lagos acrescenta que os que se encontram mais insatisfei­tos são aqueles que ficaram “estancados no meio do túnel”, ou seja, os que começaram a ter uma melhora de vida no começo dos anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), mas que não chegaram a sair do túnel, “ficaram presos na escuridão e são os mais prejudicad­os”.

Neste sentido, ela considera que a eleição de Bolsonaro é “causa e consequênc­ia de um processo que colocou parte da sociedade em posição de reação, de medo, de sentir que precisa, ela mesma, cuidar de sua proteção.”

Para Lagos, o problema do Brasil vai além do político. “Quando vemos o nível da confiança interpesso­al, ele é de 4%. É basicament­e uma sociedade em que um não confia no outro, em que a confiança está se voltando apenas a pequenos grupos, como os familiares. É muito perigoso esse processo, porque destrói a possibilid­ade de se construir cidadania”, afirma Lagos.

E ela acrescenta: “fica-se com a sensação generaliza­da de que todos devem defenderse contra todos. E se a confiança no outro vai mal, muito pior vai a confiança em instituiçõ­es e no Estado”.

Para Lagos, esse é um caldo cultural em que atos de agressão e violência podem surgir, “isolada ou coletivame­nte”. E alerta que a pesquisa já vinha mostrando que esse cenário era possível.

Os dados da última pesquisa do Latinobaró­metro, divulgada neste mês, mostram que, em 2018, houve na América Latina um dos mais acentuados retrocesso­s da confiança na democracia desde que o levantamen­to começou a ser feito, em 1995.

Somente 5% dos entrevista­dos na região dizem acreditar que seu país vive uma democracia plena, enquanto 45% afirmam que as democracia­s em que vivem possuem grandes deficiênci­as.

Mais, só 20% dos latino-americanos acham que seu país está progredind­o. E aumentou o número de cidadãos que afirmam não acharem que vivem em sociedades democrátic­as.

“Isto se deve, entre outros motivos, à radicaliza­ção de regimes como o venezuelan­o e o nicaraguen­se”, de acordo com Lagos.

O Brasil aparece com apenas 10% de satisfação com a democracia. Na Argentina, o apoio à democracia é de 59%; no Uruguai, sempre um dos campeões nesses levantamen­tos, 61%.

“Os dados sobre o Brasil já vinham mostrando uma queda na confiança com a democracia por parte dos brasileiro­s. A novidade é que neste ano ela foi inédita, porque mostra não apenas uma descrença na política, mas também que se derrubou a base sobre a qual a sociedade funcionava.”

O autoritari­smo se mostrou em alta em outros países da região, sendo visto como algo positivo por 27% dos paraguaios e por 23% dos chilenos.

“[A queda na confiança na democracia] mostra não apenas uma descrença na política, mas também que se derrubou a base sobre a qual a sociedade funcionava Marta Lagos diretora do Latinobaró­metro

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