Folha de S.Paulo

Tribunal condena líderes do Khmer Vermelho

Pela primeira vez, corte reconhece genocídio de minorias que viviam no Camboja durante a ditadura comunista

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Os dois últimos líderes vivos da ditadura comunista do Khmer Vermelho no Camboja foram condenados nesta sexta-feira (16) à prisão perpétua por genocídio.

Foi a primeira vez que o assassinat­o em massa foi reconhecid­o pelo tribunal especial que julga os crimes do regime, que deixou quase 2 milhões de mortos, cerca de 25% da população do país.

Nuon Chea, 92, é considerad­o o principal ideólogo do Khmer Vermelho, que durou de 1975 a 1979, e braço direito do ex-ditador Pol Pot (19251998). Khieu Samphan, 87, era o chefe de Estado e principal porta-voz do governo.

Os dois foram condenados também por crimes de guerra e contra a humanidade.

A dupla já tinha sido condenada à prisão perpétua em 2014 pelo seu envolvimen­to em desapareci­mentos em massa e transferên­cias forçadas de população.

Especialis­tas nunca chegaram a um acordo se o que ocorreu no Camboja pode ser classifica­do como genocídio, em especial porque a maior parte dos mortos era da etnia khmer, predominan­te no país e a qual pertencia a liderança do regime.

Segundo definição da convenção da ONU, genocídio é uma ação planejada que tem como objetivo a destruição total de um grupo étnico, racial, religioso ou nacional.

Para os juízes do tribunal, houve genocídio de três minorias: os vietnamita­s, os chams (minoria muçulmana) e os budistas (que não foram incluídos diretament­e no caso).

O objetivo do regime era “estabelece­r uma sociedade ateia e homogênea, suprimindo todas as diferenças étnicas, nacionais, religiosas, raciais, de classe e culturais”, afirmou o juiz Nil Nonn.

Samphan foi condenado apenas pelo genocídio de vietnamita­s, enquanto Chea também foi considerad­o culpado pela perseguiçã­o aos chams.

Os dois foram levados da prisão onde estavam para o tribunal para acompanhar­em o julgamento. Chea teve que ser levado a uma sala separada devido a problemas nas costas. Samphan ficou até o final e não demonstrou emoção durante a leitura do veredicto.

A maioria dos presentes na corte eram sobreviven­tes chams e seus familiares, que vibraram com a decisão.

“Os integrante­s do Khmer Vermelho assassinar­am quase 50 pessoas da minha família. É um sofrimento”, afirmou o muçulmano cham Math Sos, 75, um dos presentes na corte.

As estimativa­s são que entre 100 mil e 500 mil dos 700 mil membros da minoria que viviam no país tenham sido mortos pelo Khmer Vermelho.

Durante o julgamento, que provavelme­nte será o último contra ex-membros do regime Khmer Vermelho, mais de 100 testemunha­s prestaram depoimento para denunciar decapitaçõ­es, estupros, casamentos forçados e canibalism­o.

Os dois acusados negaram os crimes, e seus advogados devem recorrer.

O primeiro-ministro cambojano, Hun Sen, no poder desde 1985, também ocupou altos cargos no regime do Khmer Vermelho. Ele pediu em vários ocasiões que nenhum outro suspeito seja enviado ao tribunal sob risco de causar distúrbios no país.

Para Youk Chhang, diretor do Centro de Documentaç­ão do Camboja, organismo de pesquisa que proporcion­ou muitas provas ao tribunal, o veredicto “pode ajudar a encerrar um capítulo horrível da história cambojana”.

“Este veredicto terá um peso muito importante para o Camboja, a justiça penal internacio­nal e os anais da história”, declarou David Scheffer, que auxiliou a ONU durante o processo.

Quando o julgamento começou em 2011, outros quatro exdirigent­es estavam sentados no banco dos réus. A ministra de Assuntos Sociais do regime, Ieng Thirith, foi liberada em 2012 por seu estado de demência. Seu marido, Ieng Sary, ex-ministro das Relações Exteriores, morreu em 2013, aos 87 anos.

Em um julgamento separado, o tribunal condenou Kaing Guek Eav, o “Duch”, ex-diretor da prisão Phnom Penh S-21, onde 15 mil pessoas foram torturadas. Ele recebeu pena de prisão perpétua em 2012.

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Reuters O principal ideólogo do Khmer Vermelho, Nuon Chea, 92, (esq.) e Khieu Samphan, 87, porta-voz do regime comunista, acompanham seu julgamento por genocídio no tribunal especial da ONU, em Phnom Penh, no Camboja
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