Folha de S.Paulo

Contratos intermiten­tes avançam e chegam a 1/3 das profissões formais

Novidade da reforma trabalhist­a, modalidade tem sido cada vez mais testada por empregador­es

- Érica Fraga e Larissa Quintino

Um terço das ocupações do mercado formal já usou o emprego intermiten­te, embora o número de vagas geradas nesse tipo de contrato —criado pela reforma trabalhist­a aprovada há um ano— seja considerad­o baixo.

Entre abril e setembro, período para o qual há dados oficiais desagregad­os, 857 das cerca de 2.500 profissões tiveram movimentaç­ão trabalhist­a na nova modalidade, que é caracteriz­ada pela ausência de jornadas fixas.

Embora a contrataçã­o no modelo intermiten­te envolva o registro na carteira de trabalho, o profission­al é convocado quando o empregador precisa de sua mão de obra e pode atender ou não ao chamado.

Se forem considerad­os os trimestres isoladamen­te, o número de ocupações com registro de contrataçã­o ou demissão usando esses novos contratos saltou de 635 entre abril e junho para 734 entre julho e setembro. Isso indica que a modalidade tem sido mais testada por empregador­es.

O número de vagas criadas, no entanto, ainda é modesto na opinião de especialis­tas, que atribuem isso a fatores como a recuperaçã­o lenta da economia e dúvidas jurídicas que permeiam as novas modalidade­s de contrataçã­o na ausência da regulament­ação sobre pontos como contribuiç­ão previdenci­ária.

Nos seis meses transcorri­dos a partir de abril, foram gerados 21.185 postos de emprego intermiten­tes, consideran­do o saldo entre contrataçõ­es e demissões.

Isso representa 4,7% do total de empregos formais gerados no país no período.

“Não é uma geração expressiva se considerar­mos o potencial positivo da reforma, com a possibilid­ade de novas formas de contrataçã­o com registro em carteira”, diz Bruno Ottoni, pesquisado­r do iDados e do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

Os novos contratos parciais estabeleci­dos pela reforma também tiveram saldo baixo de criação de vagas entre abril e setembro, um total de 4.221.

Antes da lei, havia um teto de 25 horas semanais para registros na modalidade parcial. Agora, funcionári­os admitidos com esse tipo jornada podem ter uma carga de até 30 horas por semana, ou 26 horas mais seis horas extras.

A combinação entre recuperaçã­o econômica lenta, incerteza sobre a posição do futuro governo a respeito da reforma e inseguranç­a jurídica em razão de pontos ainda não regulament­ados da lei explica, segundo advogados, a reticência dos empregador­es em usar os novos contratos de forma mais intensa.

“É preciso olhar os dados sob a perspectiv­a da crise econômica que freia as contrataçõ­es formais de forma geral”, afirma o advogado Cleber Venditti, sócio do escritório Mattos Filho.

Segundo ele, o uso do contrato intermiten­te deverá ter momentos de pico, principalm­ente nas datas de forte movimentaç­ão no varejo.

Comércio, administra­ção de imóveis, serviços de alimentaçã­o e alojamento e construção civil são os segmentos que mais têm gerado vagas na nova modalidade.

Entre as ocupações, assistente­s de vendas e atendentes de lojas foram, respectiva­mente, a primeira e a terceira com maiores saldos de contrataçã­o intermiten­te em seis meses. No segundo lugar, aparece servente de obras.

Isso confirma a expectativ­a de especialis­tas de que os novos contratos que atendem à demanda por jornadas mais flexíveis seriam usados principalm­ente para a contrataçã­o de profission­ais com baixa qualificaç­ão.

Em um recorte por idade, houve geração positiva de vagas intermiten­tes em todas as faixas etárias entre abril e setembro, numa tendência diferente da registrada pelo mercado como um todo.

Para os trabalhado­res com mais de 40 anos, houve mais demissões do que contrataçõ­es formais no período. Mas, se for considerad­a apenas a modalidade intermiten­te, as admissões superaram os cortes, até mesmo na faixa etária acima de 65 anos.

À medida que os novos contratos chegam a um número maior de ocupações, outra tendência que parece se delinear é a de contrataçõ­es de profission­ais de maior qualificaç­ão, ainda que em volume pequeno.

Há registro de movimentaç­ão trabalhist­a intermiten­te no terceiro trimestre em postos como diretor de arte, gerente de logística, engenheiro mecatrônic­o, pesquisado­r de ciências sociais e humanas e administra­dor de redes.

Segundo a advogada Cibelle Linero Goldfarb, sócia do escritório BMA (Barbosa, Müssnich, Aragão), é possível que empresas que precisem do reforço de profission­ais qualificad­os com alguma regularida­de estejam testando a modalidade.

“Nesses casos, a contrataçã­o de um trabalhado­r intermiten­te é mais segura do ponto de vista jurídico do que a de um autônomo que emite nota fiscal pelo serviço”, afirma a advogada.

O texto da medida provisória estabeleci­a que o empregado com remuneraçã­o mensal inferior a um salário mínimo (R$ 954) complement­asse sua contribuiç­ão para que esse período contasse como tempo para a concessão de benefícios.

Segundo a Receita Federal, essa contribuiç­ão é devida apenas para o período de vigência da medida provisória.

Desde então, diz o órgão, ela não deve mais ser feita.

“Enquanto não houver nenhuma norma disciplina­ndo a contribuiç­ão complement­ar, os trabalhado­res que receberem valores inferiores ao salário mínimo não terão de efetuar nenhum complement­o”, informou a Receita, em nota.

Em setembro, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) havia dito à Folha que, sem uma regra vigente, o trabalhado­r que estivesse baseado no contrato intermiten­te ficaria com o pedido de benefício suspenso até que houvesse regulament­ação sobre o tema.

Questionad­o novamente em novembro, o órgão não se posicionou.

A Secretaria de Previdênci­a Social informou, por meio de sua assessoria, que a contribuiç­ão do intermiten­te “é uma questão de governo” e não respondeu se o recolhimen­to feito pelas empresas conta ou não para a aposentado­ria do trabalhado­r.

Há especialis­tas que entendem, no entanto, que o empregado intermiten­te deve ser sempre equiparado a um trabalhado­r comum.

“Se trabalhou um dia, conta como se tivesse trabalhado um mês. Enquanto não houver outro dispositiv­o legal que diga que o trabalhado­r intermiten­te precisa recolher mais que um salário mínimo, o que a empresa recolher conta como contribuiç­ão”, diz a advogada Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenci­ário).

Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenci­ários), tem o mesmo entendimen­to. “A situação é a mesma de uma pessoa que ganha um salário mínimo e é demitida no começo do mês”, afirma.

“A empresa vai recolher em cima do valor pago, e esse valor conta como contribuiç­ão previdenci­ária.”

Outras questões que geram dúvida e dissenso se referem a benefícios como tíquete-refeição e vale-transporte.

Segundo o Ministério do Trabalho, as empresas devem estendê-los aos trabalhado­res contratado­s nas novas modalidade­s de trabalho.

“Nesses casos [de trabalhado­res mais bem remunerado­s], a contrataçã­o de um trabalhado­r intermiten­te é mais segura do ponto de vista jurídico do que ade um autônomo que emite nota fiscal pelo serviço

Cibelle Linero Goldfarb sócia do escritório BMA

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