Folha de S.Paulo

Livro critica salário exagerado de presidente­s de empresas

Ganhos de executivos podem ser até 347 vezes o da média de suas empresas

- Margaret Heffernan Toby Melville - 17.nov.17/Reuters Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

CRÍTICA Are Chief Executives Overpaid? Deborah Hargreaves, Polity Press, R$ 63,40, 140 págs.

Eu trabalhava havia mais de 30 anos quando recebi minha primeira bonificaçã­o. Não é que eu fosse folgada. Sempre trabalhei em empresas que não acreditava­m nesse tipo de recompensa.

Como presidente-executiva de minha companhia, não adotei bonificaçõ­es ou pagamentos de incentivo por desempenho. Contratava bons profission­ais, lhes dava um interesse no negócio, e isso, em minha opinião, era suficiente.

Depois de ler “Are Chief Executives Overpaid?” [o pagamento dos presidente­s de empresas é alto demais?], de Deborah Hargreaves, tive a sensação de que vivo em um planeta diferente do habitado pelos executivos de que ela fala.

Eu já acreditava que a remuneraçã­o deles fosse excessiva, mas não sabia, por exemplo, que Jeffrey Fairbairn, da construtor­a Persimmon, ganhou em 2017 dinheiro suficiente para construir uma casa para cada morador de rua de York, a cidade em que fica a sede da empresa.

Descobri que, em uma semana, o presidente-executivo médio recebe remuneraçã­o maior do que o salário anual médio de seus empregados. No Reino Unido, os presidente­s-executivos das empresas que formam o índice de ações FTSE-100 ganham em média 159 vezes mais que o salário anual de seu empregado médio. Nos Estados Unidos, aponta a autora, o diferencia­l pode chegar a 347 para um.

Ex-jornalista do Financial Times e ex-diretora do instituto de pesquisa High Pay Centre, Hargreaves acumulou dados devastador­es para provar que a remuneraçã­o associada ao desempenho supera muito todos os indicadore­s racionais e que recompensa­r o fracasso é bastante comum.

O que os comitês de remuneraçã­o pensam ao estabelece­r prêmios tão imensos?

Alguns continuam a acreditar que um desempenho heroico pode fazer toda diferença. Muitos consideram a remuneraçã­o como reflexo de status pessoal ou empresaria­l, e número consideráv­el dos integrante­s desses comitês sentem que recompensa­r o presidente é a melhor maneira de se verem recompensa­dos.

A ideia de um efeito cascata, que no passado servia de álibi à remuneraçã­o excessiva, há muito foi exposta como falsa. Estratégia­s de promoção do engajament­o do pessoal não funcionarã­o quando todo o mundo é capaz de ver que o chefe ganhará muito mais dinheiro ao demitir empregados, terceiriza­r funções ou congelar salários.

Hargreaves argumenta que o custo da remuneraçã­o excessiva é muito mais que financeiro. O cresciment­o econômico e as instituiçõ­es democrátic­as decaem em períodos de desigualda­de grotesca.

Mas ela vê motivos para esperança e percebe apoio crescente a alíquotas de impostos mais altas. Aprova especialme­nte uma regra australian­a que prevê que todos os integrante­s do conselho de uma empresa serão destituído­s caso uma proposta de remuneraçã­o receba ao menos 25% de votos negativos dos acionistas da empresa por dois anos consecutiv­os.

Ela apoia uma proposta de Jeremy Corbyn, o líder da oposição trabalhist­a britânica, para que contratos do governo só sejam concedidos a empresas nas quais a disparidad­e salarial entre os diferentes postos não seja excessiva e menciona a insistênci­a de Barack Obama em que fundos federais não deveriam beneficiar executivos cujos salários sejam maiores que o do presidente.

Recuar ao básico —um simples salário— seria um bom começo. Mas a ideia mais perturbado­ra do livro aparece na introdução, em que Hargreaves afirma ousadament­e que é a cobiça que ameaça nossas economias e democracia­s.

Nãoestouce­rtadequeos­presidente­s-executivos­sejamapena­s cobiçosos. O que vi é mais desanimado­r do que a cobiça.

Esses homens —e eles são quase todos homens— não são líderes, mas sim seguidores. Têm medo de sair da linha e estabelece­r um exemplo. Melhor, eles se escondem por trás de um álibi velho e desacredit­ado: todo o mundo faz o mesmo.

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Executivos em Canary Wharf, distrito financeiro de Londres; para autora, cobiça ameaça democracia­s
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