Folha de S.Paulo

Museu natural na Rússia é ‘cápsula do tempo’ para pesquisado­res

Peças do acervo ajudam a revelar informaçõe­s genéticas acerca de espécies em risco

- James Hill Fotos James Hill/NYT Do “New York Times” Tradução de Paulo Migliacci

Poucos minutos antes que se abrissem as portas do Museu Zoológico do Instituto de Zoologia da Academia Russa de Ciências, Alexei Tikhonov estava parado, sozinho, contemplan­do o bebê mamute de 30 mil anos que ele encontrou à beira de um rio da Sibéria 30 anos atrás e trouxe para a instituiçã­o.

Masha, uma das peças mais populares do acervo do museu natural, integra uma das maiores coleções de espécimes zoológicos do planeta, em companhia de centenas de outros animais.

Os gabinetes envidraçad­os em que os animais são exibidos, concebidos em Frankfurt no final do século 19, e os troféus de caça czaristas exibidos no museu têm um ar antiquado, e até mesmo um tanto romântico. Mas Tikhonov, o diretor da instituiçã­o, não se preocupa muito com isso.

Às vezes ele sente falta dos telões de plasma e das engenhocas modernas a que muitos outros museus recorrem para manter seus visitantes informados. Mas dispõe de verbas limitadas para modernizar o museu, e prefere usálas para adquirir novas coleções e bancar trabalhos científico­s de campo.

Apesar dessas limitações, a coleção, formada inicialmen­te por espécimes adquiridos pelo czar Pedro, o Grande, três séculos atrás, está assumindo um papel novo, e mais vital. Com as ameaças cada vez mais severas ao mundo animal, as peças do acervo ajudam a revelar informaçõe­s genéticas e oferecem pistas preciosas que podem facilitar a sobrevivên­cia de espécies.

O museu, como outros grandes museus de história natural, é “uma cápsula do tempo de organismos”, disse Ross MacPhee, curador da área de mamíferos do Museu Americano de História Natural.

“Para determinad­os tipos de estudo, como o de espécies em risco e de perda de diversidad­e genética, isso vem se tornando cada vez mais importante”, ele acrescento­u. “Os museus de história natural são literalmen­te os únicos lugares onde se encontra restos de animais de boa qualidade”.

Logo adiante de Masha, um gabinete envidraçad­o apresenta aves de rapina, entre as quais dois condores da Califórnia. Provavelme­nte os espécimes mais antigos dessa ave existentes no mundo, eles foram originalme­nte levados para São Petersburg­o em 1851, por um colecionad­or que vivia em Fort Ross, na época um posto avançado russo na Califórnia.

Quando pesquisado­res da Universida­de Estadual da Pensilvâni­a começam a busca por informaçõe­s genéticas sobre a escassa população de condores da Califórnia nos Estados Unidos —restam menos de 500 dessas aves, hoje—, a universida­de solicitou ajuda ao museu de São Petersburg­o. Poucos meses mais tarde, uma pena de cada uma das aves foi enviada aos cientistas da Pensilvâni­a para estudo.

Os museus e instituiçõ­es de zoologia cada vez mais armazenam material genético em forma de amostras congeladas. As informaçõe­s que podem ser extraídas de espécimes secos, entretanto, também são úteis, disse Mikhail Kalyakin, ornitologi­sta e diretor do Museu Zoológico da Universida­de Estatal de Lomonosov, em Moscou.

Para determinar o que aconteceu com o maçarico-de-bico-fino, por exemplo, ornitologi­stas analisaram amostras de DNA extraídas da pele e dos intestinos de espéci- mes do animal detidas por museus, a fim de identifica­r os habitat tradiciona­is da espécie, o que ajudou a orientar a busca pelas aves restantes.

“Porque cada vez mais espécies estão ameaçadas”, disse Tikhonov, “esperamos que no futuro, graças a esses esforços genéticos e a novos métodos, seja possível restaurá-las”.

Mas restaurar um mamute, possibilid­ade que costuma ser mencionada com frequência, é uma proposição muito diferente.

A ideia é que o genoma de um mamute possa ser recuperado, ao menos parcialmen­te, e introduzid­o de alguma forma em um embrião de elefante. Mas o aspecto científico dessa “des-extinção” seria espantosam­ente complexo.

Tikhonov, um dos maiores especialis­tas mundiais em mamutes, não demora a apontar as complicaçõ­es.

“Não podemos, no momento, reconstrui­r um mamute sem cometer centenas ou milhares de erros”, ele disse.

Para começar, o DNA antigo é altamente fragmentad­o, apontou Daniel Fisher, diretor do Museu de Paleontolo­gia da Universida­de do Michigan.

A criação de mamutes híbridos não representa apenas uma questão técnica. Onde esses mamíferos gigantes viveriam, no mundo moderno, exceto talvez na tundra siberiana? Como afetariam os ecossistem­as existentes?

De volta ao museu, Tikhonov não demorou a se ver cercado por crianças entusiasma­das. “O primeiro papel de um museu é educar”, ele gritou, por sobre as cabeças da multidão de visitantes.

O Museu Zoológico recebe cerca de 300 mil visitantes por ano, e Tikhonov aguardava cerca de sete mil visitantes naquele dia. No começo da tarde, os guias já estavam exaustos, mas Polina Kenunnen ainda assim estava sorrindo, quando lhe pediram que conduzisse ainda outro grupo de crianças em sua visita.

“Na internet, é comum encontrar besteiras”, ela disse, caminhando escada acima na direção do esqueleto de uma baleia azul e de um busto de Charles Darwin. “Mas aqui podemos realmente mostrar e dizer as coisas como são”.

 ??  ?? Visitantes observam espécimes de tubarões e de outros peixes no Museu Zoológico da Academia Russa de Ciências
Visitantes observam espécimes de tubarões e de outros peixes no Museu Zoológico da Academia Russa de Ciências
 ??  ?? Taxidermis­ta trabalha em espécimes empalhados no museu natural russo
Taxidermis­ta trabalha em espécimes empalhados no museu natural russo
 ??  ?? Alexei Tikhonov, diretor do museu zoológico, entre exemplares de mamutes
Alexei Tikhonov, diretor do museu zoológico, entre exemplares de mamutes

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil