Folha de S.Paulo

Leilões expõem extremos do mercado de arte

MAM do Rio de Janeiro não vende sua tela de Jackson Pollock, e David Hockney atinge maior valor para artista vivo

- Danielle Brant e João Perassolo

O mercado de arte viveu dois extremos em poucas horas na última quinta. Na casa de leilões Phillips, em Nova York, um quadro de Jackson Pollock que era visto como a grande tábua de salvação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro encalhou, depois de não atingir o valor mínimo desejado.

A um quilômetro dali, pouco tempo depois, na rival Christie’s, uma tela do britânico David Hockney, “Retrato de um Artista (Piscina com Duas Figuras)”, de 1972, era vendida por US$ 90,3 milhões, cerca de R$ 342 milhões, valor recorde para um artista vivo.

Jones Bergamin, diretor da principal casa brasileira de leilões de arte, a Bolsa de Arte, chamou o primeiro dos episódios de “decepção danada”. “Decepção para a casa de leilões, para o mercado de artes e para o MAM, que precisa desse dinheiro para sobreviver nos próximos dez anos.”

O MAM esperava vender o quadro “Número 16”, de 1950, por pelo menos US$ 18 milhões, ou R$ 67 milhões. Não era uma aposta ousada, consideran­do que, dois dias antes, outro trabalho de Pollock, “Compositio­n with Red Strokes” (1950), foi arrematado por US$ 55,4 milhões, cerca de R$ 207,2 milhões.

Helen Harrison, diretora do museu Pollock-Krasner House, que escreveu um ensaio sobre a importânci­a da tela do MAM para o leilão da Phillips, diz que não assistiu aos lances e que “não tem ideia” do que fez a pintura ficar encalhada.

Já para os endinheira­dos e curiosos que foram à Phillips no final da tarde de quinta, enfrentand­o a primeira nevasca deste outono a cair sobre Nova York, a venda de “Número 16” era dada como certa.

Em primeiro lugar por causa de um dos itens que mais pesam na decisão de comprar um quadro —a procedênci­a.

O dono atual é um museu, o MAM, que, mesmo precisando do dinheiro, tem uma forte reputação por trás. A tela também mudou de mãos poucas vezes —foi uma doação do magnata e ex-vicepresid­ente americano Nelson Rockefelle­r, que comprou o Pollock por meros US$ 306.

O histórico recente do artista também contava a favor. Além do quadro vendido pela Christie’s, outra tela do expression­ista foi arrematada na Sotheby’s por US$ 34 milhões. Além disso, a importânci­a do trabalho era eviden- ciada nas 16 páginas dedicadas à tela no catálogo da noite de vendas —“Número 16” também estampava a capa.

Com todo esse contexto, a empolgação era evidente no salão da Phillips. O quadro era o lote 23. As primeiras quatro vendas foram promissora­s, já que superaram a faixa mais alta de preço estimada pela casa de leilões.

O destaque inicial foi “Femme dans la Nuit” (1945), do espanhol Joan Miró, vendido por US$ 22,5 milhões, já com taxas. O valor máximo esperado era de US$ 18 milhões.

O sexto quadro, um Alberto Burri, foi o primeiro a não ser vendido por um descompass­o entre o preço desejado e o oferecido. A cifra mínima era de US$ 10 milhões, mas não superou os US$ 8 milhões.

Ainda assim, a animação dava a tônica da noite, com os presentes acompanhan­do algumas obras mais disputadas, como é o caso de um quadro de Amy Sillman vendido por US$ 855 mil —o dobro dos US$ 400 mil que estimaram como valor máximo.

O charmoso leiloeiro Henry Highley fazia sua parte para conquistar os endinheira­dos. A cada lance que superava o anterior, agradecia. Também convocava representa­ntes no telefone e na plateia para tentar instigar os presentes a abrir mais a carteira.

Funcionou algumas vezes. Mas, ao chegar no lote 23, não teve jeito. Os US$ 15,7 milhões foram o limite encontrado pelo “Número 16”. Na ausência de valores mais expressivo­s, o veredito que surpreende­u a todos —“passed”.

Tradução: não houve o casamento mais elementar da economia, entre oferta e demanda. “Por que não vendeu? Porque estava avaliado acima do mercado. Mas US$ 18 milhões não era, nem US$ 17 milhões, porque nem isso atingiu”, resume Bergamin, o dono da Bolsa de Arte.

Para ele, isso significa que o quadro deve valer de US$ 14 milhões a US$ 15 milhões.

O galerista Thiago Gomide faz uma avaliação um pouco inferior, que diz ser respaldada por outros marchands internacio­nais. Gomide afirma que a tela é estimada em não mais do que US$ 14 milhões.

“Acho que a Phillips foi seduzida pela oportunida­de de ter um Pollock, um quadro dessa importânci­a no leilão deles. É uma tela pequena, vale menos. Mas é um trabalho importante.” A obra do MAM é um quadrado de 56 cm, enquanto a vendida na Christie’s na terça tem 93 cm por 65 cm.

Michael Sherman, um porta-voz da casa de leilões, disse que a Phillips “acredita nesta obra prima” e que “tem a intenção de encontrar um comprador privado” para ela.

Paulo Vieira, conselheir­o do MAM, afirma que vai “esperar a Phillips se pronunciar” sobre possíveis interessad­os. Ele esclarece que, no caso de uma venda direta, fora de leilão, o MAM ganharia os U$ 15,7 milhões mais uma parte da comissão da Philips, que é de 15%. A transação direta será intermedia­da pela casa de leilões.

Com esses desdobrame­ntos, “Número 16” fica em Nova York nos próximos dias. Já a venda da tela de Hockney por US$ 90,3 milhões superou o recorde da escultura “Balloon Dog”, um enorme cachorrinh­o metálico feito pelo americano Jeff Koons e vendido há cinco anos por US$ 58,4 milhões, ou R$ 218,4 milhões.

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A tela ‘Número 16’, do expression­ista abstrato Jackson Pollock, que teve lance de US$ 15,7 milhões, mas não foi vendida em NY
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Pintura ‘Retrato de um Artista’, de David Hockney, a mais cara já vendida de um autor vivo

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