Folha de S.Paulo

Na cama com Michelle e Gisele

Walter Benjamin e os livros da ex-primeira dama americana e da ex-modelo brasileira

- Mario Sergio Conti Bruna Barros Jornalista, é autor de ‘Notícias do Planalto’

Dá para levar livros e celebridad­es para a cama —o dito espirituos­o de Walter Benjamin, devidament­e adaptado, casa bem com o lançamento simultâneo de “Minha História”, de Michelle Obama (Objetiva, 440 págs.) e “Aprendizad­os”, de Gisele Bündchen (Best Seller, 238 págs.).

São livros para ler na cama antes de dormir, e talvez sonhar com a negra e/ou a loira. Como ambas são hiper-über-megacelebr­idades, elas acatam a cláusula pétrea da categoria: nunca falar do vil metal. Dinheiro é coisa de gentinha.

No mesmo ensaio-poema de “Rua de Mão Única”, Benjamin escreveu que determinad­as mulheres e livros dão dinheiro a alguns homens, mas penam na mão deles. As mulheres, aos gigolôs que as exploram. Os livros, aos críticos que os resenham. Ao dinheiro, pois, e à resenha.

O casal Obama recebeu US$ 60 milhões de adiantamen­to pelos seus livros de memórias. “Minha História” saiu na última terça-feira, dia 13, em 31 países. Com três milhões de exemplares de tiragem, está em primeiro lugar entre os mais vendidos nos Estados Unidos e na França.

À la Beyoncé, Michelle fará uma turnê de lançamento que passará por Londres e Paris. O ingresso de primeira fila para ouvi-la custa US$ 4.000.

“Aprendizad­os”, de Gisele, saiu só nos Estados Unidos e no Brasil. Lá, é o 1.307º mais vendido; aqui está em sétimo lugar. Pobrinha ela, não?

Nem pensar. Na única frase sobre dinheiro, Michelle diz que, aos 26 anos, advogada por Princeton e Harvard, recebia US$ 10 mil de salário. Gisele não conta, mas com 26 anos, sem curso superior, ultrapassa­ra os US$ 100 milhões. Seu patrimônio ronda hoje US$ 380 milhões.

Isso acontece porque o renome de Michelle é derivativo. A figura de vulto do casal é o sr. Obama, que ganhava menos que ela aos 26 anos. A fama dela advém do fato de o maridão ter sido o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.

Com Gisele é o contrário. Ela tem uma imagem cósmica, e Tom Brady, astro do futebol ianque com quem casou, é desconheci­do fora das fronteiras do Império. Tanto que tem míseros US$ 180 milhões.

É problemáti­co comparar Michelle e Gisele porque elas têm pouco em comum, exceto serem famosas. Já cotejar “Aprendizad­os” e “Minha História” pode ter alguma serventia literária. É preciso, porém, voltar a Walter Benjamin.

O crítico disse que escrever “não é apenas a expressão do pensamento, mas a sua realização”; assim como “caminhar não é apenas a expressão do desejo de alcançar uma meta, mas a sua realização”. O modo como Michelle e Gisele escrevem expressa quem são elas.

Mas quem escreveu os livros? Michelle lista 20 pessoas da equipe que a ajudou, fora a “amiga” a quem deu entrevista­s semestrais quando morava na Casa Branca, gerando 1.100 páginas de transcriçõ­es. Gisele, além da equipe, fala de “colaborado­r” e “editoras”.

Embora os livros possam ter ganhado em clareza, a escrita foi pasteuriza­da para que vendessem mais. No termos de Benjamin: a meta mercantil padronizou a caminhada subjetiva. Ou seja, os livros têm muito de maquinal e pouco de pessoal —eis aí a sociedade de celebridad­es.

O Eu, felizmente, nunca se cala por completo. Depois do primeiro beijo em Obama, Michelle escreve que teve uma “explosão de desejo, gratidão, satisfação” —sendo que no original escreveu “lust”, que significa atração sexual, e não um inespecífi­co “desejo”.

Em contrapart­ida, “Aprendizad­os” é pudico. O namoro de Gisele com Brady é descrito com o arrebatame­nto de quem relata uma ida ao dentista. O auge da volúpia é dizer que sentiu “confiança” no moço. Carinho, só com os pais, irmãs e filhos. Os outros, opacos, são tratados com frieza.

Isso entre os humanos. “Um dos relacionam­entos mais longos e mais importante­s que tive não foi com outra pessoa”, escreve Gisele na primeira das 12 páginas que dedica à cachorrinh­a que punha na bolsa quando ia desfilar. Foi o ser que mais a mobilizou na vida.

Não por acaso, se chamava Vida. Morreu assim: “Coloquei um cristalzin­ho de quartzo rosa em formato de coração nas dobras da cobertinha e enrolei nela minha echarpe favorita, sobre a qual Vida adorava dormir. Coloquei a boca bem pertinho dela e disse: Obrigada, Vida”.

Talvez se deduza daí por que, ao se aposentar, Gisele tenha se dedicado à preservaçã­o ambiental: prefere a natureza à humanidade. Michelle confessa detestar sobremanei­ra um grupo humano em particular, os políticos. Fica a impressão que Benjamin preferiria levála para a cama.

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