Folha de S.Paulo

Impacto das visitas de Rubén Darío ao Brasil é esmiuçado em livro

Diplomata brasileiro relembra passos do poeta e ensaísta nicaraguen­se, que esteve no país em 1906 e em 1912

- Sylvia Colombo

O nicaraguen­se Rubén Darío (1867-1916), hoje celebrado como um dos grandes poetas em língua hispânica dos dois lados do Atlântico, tem tido agora sua obra ensaística e jornalísti­ca rememorada.

Primeiro, em Buenos Aires, onde viveu entre 1893 e 1898, quando escreveu crônicas para o jornal La Nación, há pouco reeditadas, mas também em novas reflexões sobre sua obra realizadas em outros países.

Um desses textos é o livro “Yo Pan-Americanic­é - Rubén DaríoenBra­sil”(disponível­em https: /hispamer.online.com. ni), do brasileiro Luís Cláudio Villafañe G. Santos, diplomata e autor do recente “Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco” (Companhia das Letras).

No livro, Villafañe relata as duas visitas que Darío fez ao Brasil, em 1906 e em 1912. “Contadas muito rapidament­e e como algo menor por seus biógrafos tradiciona­is, são passagens reveladora­s de sua personalid­ade e que impactaram seu modo de pensar”, diz o autor.

Villafañe sustenta a tese de que Darío, ao lado do cubano José Martí (1853-1895) e do uruguaio José Enrique Rodó (18711895), formou a tríade de intelectua­is que começou a forjar a identidade latino-americana, “não mais em alteridade com a Espanha, mas, a partir de então, em alteridade com os EUA”, sustenta o autor.

“O Brasil entraria nesse conceito cultural e intelectua­l de América Latina muito depois, nos anos 1960, e até hoje esse processo não está completo.”

Porém, além da elaboração da tese biográfica, o livro conta algumas anedotas e passagens do autor pelo país que revelam aspectos de sua personalid­ade. Por exemplo, quando divide uma embarcação para chegar ao país com Joaquim Nabuco (1849-1910), então uma das principais figuras da intelectua­lidade brasileira, que num primeiro momento despreza Darío por não saber bem de quem se tratava —embora depois mudasse de comportame­nto, reconhecen­do-o como intelectua­l. Darío virou fã imediato de Nabuco.

No Rio, Darío transitou entre a elite intelectua­l de então e terminou por mencionar em seus artigos esse cenário, que incluía Olavo Bilac, Euclydes da Cunha e Machado de Assis. “O que no Brasil é um fato, entre nós são tentativas. O Brasil tem uma literatura, nós não”, escreveria Darío no La Nación.

Para Villafañe, isso era um recado para os argentinos. “Darío estava sempre defendendo que as artes tinham de ter mecenas, e foi isso que ele viu no Brasil, que muitos desses autores eram pagos de alguma forma pelo Estado. No fundo, esse parecia o mundo ideal para ele”, diz o autor.

Sobre Machado de Assis, Darío escreveu um lindo poema, em que diz: “Doce ancião que vi, em seu Brasil de fogo e de vida e de amor [...], aceite esta lembrança de quem ouviu uma tarde, em teu divino Rio tua palavra nobre”.

“Foi de tremendo impacto para ele não apenas o encontro com esses homens letrados do Brasil, mas ficou também muito impression­ado com as belezas naturais, como a floresta da Tijuca”, diz Villafañe.

O livro reforça o aspecto cosmopolit­a deste escritor que se tornaria um dos primeiros latino-americanos verdadeira­mente internacio­nais. “Quando vai viver em Paris, não escreve apenas para os latino-americanos, mas passa a integrar a cena intelectua­l local, algo que era difícil e em que foi um dos pioneiros”, acrescenta Villafañe.

O cosmopolit­ismo de Darío começa quando, adolescent­e, vai viver em El Salvador. Com 19 anos viaja ao Chile, onde escreve para algumas publicaçõe­s e se torna colaborado­r do La Nación. Por esse diário, é enviado para a Espanha como correspond­ente, em 1898. Com um pé no mundo diplomátic­o, vira, em 1903, cônsul da Nicarágua em Paris.

A experiênci­a e a vivência em tantas viagens moldaram o poeta e também o cronista e ensaísta. O que o livro de Villafañe faz é incluir o impacto que o Brasil teve em seu perfil de escritor e pensador de um mundo que vivia um momento de grande transforma­ção e de uma América Latina que buscava desenhar uma nova identidade.

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