Folha de S.Paulo

A seleção como o São Paulo

Tite nunca mais fez a equipe convencer, apesar de vencer sem sofrer gols

- Juca Kfouri Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Jogar com o Uruguai é lembrar sempre do Maracanazo, da decisão da Copa do Mundo de 1950, quando a seleção brasileira jogava pelo empate, saiu na frente e tomou a virada para perder por 2 a 1.

São poucas as testemunha­s vivas daquela tarde de 16 de julho que originou o famoso complexo de vira-latas de Nelson Rodrigues.

Mas não adianta. Quem gosta de futebol sente como se tivesse vivido cada minuto daquela catástrofe, vibra com o gol de Friaça e lamenta até hoje o da virada de Ghiggia.

O grande velório do Maracanã insiste em não terminar às vésperas de completar 70 anos.

Ao contrário, não são poucos os que têm bem vivo na memória o jogo entre as duas seleções pelas semifinais da Copa de 1970, no estádio Jalisco, em Guadalajar­a, quando a vitória brasileira por 3 a 1 deveria ter enterrado o trauma de 20 anos antes.

Deveria, não enterrou, e a dor de 1950 permanece maior que a do 7 a 1, parece mesmo destinada a ser eterna, maior até que as dores das mortes de Getúlio Vargas, Tancredo Neves e Ayrton Senna.

Na última sexta-feira (16) vimos os 76º capítulo dessa saga, com a 36ª vitória brasileira ( foram 20 vitórias uruguaias e outros 20 empates).

O palco não foi nem o Maracanã, nem o estádio Centenário de Montevidéu, porque o futebol globalizad­o rende mais se for em Londres, no estádio do Arsenal, embora tenha sido o primeiro jogo entre ambos fora do continente americano, como aquele de 1970, no México, tinha sido o único fora da América do Sul.

Daí qualquer jogo entre a seleção Canarinha e a Celeste, apesar de não ser a maior rivalidade sul-americana, posto ocupado pelos argentinos, ter gosto especial.

Por dessas coisas misteriosa­s, quiseram os deuses do futebol ser o jogo no dia seguinte à morte do criador da camisa amarela, Aldyr Schlee, idealizada exatamente para aposentar a camisa branca usada na Copa de 1950.

Os uruguaios sem o goleiro Muslera, a dupla de zaga Godín e Giménez e o meia Nández.

Os brasileiro­s desfalcado­s de Marcelo, Casemiro, Philippe Coutinho, mas com Danilo na lateral direita, certamente o pior dos laterais convocados, porque inferior a Fabinho e a Militão.

E com criativida­de zero no meio de campo, o time de Tite quase foi para o intervalo perdendo para o entrosamen­to de Luis Suárez e Cavani.

Ao mesmo tempo jogavam Holanda 2, França 0, pela Liga das Nações, e parecia outro esporte, para variar.

Neymar tentava resolver tudo sozinho e, justiça se faça, não por egoísmo, mas por solidão.

Sei não.

Aos poucos se cristaliza a ideia de que a campanha brasileira nas eliminatór­ias, depois da queda de Dunga, foi mais ou menos como a do São Paulo no primeiro turno deste Brasileiro prestes a ser conquistad­o pelo Palmeiras: pura ilusão.

A vitória por 1 a 0, graças ao pênalti convertido por Neymar, não melhora a impressão, nem os cinco jogos pósCopa sem sofrer gols.

Menos pelo fato de o pênalti ter nascido de um toque na mão de Danilo, mais porque a qualidade do futebol deixa muito a desejar, ao nível do visto neste Brasileiro.

Tite estava coberto de razão quando dizia ter a tarefa de classifica­r a seleção para a Copa-18, fosse como fosse.

Fez melhor que a encomenda.

Depois prometeu bom futebol na Rússia. Não cumpriu, para sua própria frustração.

Segue sem conseguir, porque resultado só é pouco.

A Holanda, que nem foi à Copa, dá mais gosto de ver.

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