Folha de S.Paulo

Expansão de vagas de medicina tem resultado incerto

Formação de profission­ais supera meta, mas com impacto após 2019 e desafio de fixá-los no interior

- Natália Cancian

Parte do Mais Médicos, a expansão de cursos de medicina deve começar a mostrar resultados só a partir de 2019, quando os primeiros alunos se formam. A interioriz­ação, foco do programa, já é posta em dúvida.

Considerad­a uma das principais apostas do Mais Médicos para evitar a necessidad­e de recorrer a médicos estrangeir­os, a expansão de cursos e vagas de graduação em medicina ganhou impulso nos últimos cinco anos, mas tem resultado prático incerto.

Dados do Ministério da Educação apontam que, desde 2013, ano da implantaçã­o do programa, foram criadas 13.624 vagas para formação de novos médicos no país.

O total supera a meta prevista na criação do programa, planejada em 11.400 até 2017.

Além da ampliação de vagas em cursos já existentes, a expansão também envolveu a criação de cursos, a maioria em faculdades particular­es.

No período, foram criados 117 novos cursos de medicina, segundo dados do estudo Demografia Médica, da USP, quase o triplo em relação aos cinco anos anteriores, quando foram abertos 42.

Atualmente, o país tem ao menos 31.523 vagas de medicina, segundo o censo da educação superior mais recente.

Os impactos dessa expansão no mercado de trabalho e na rede de saúde, no entanto, ainda são incertos.

A previsão é que os resultados comecem a aparecer só a partir do próximo ano, quando os primeiros alunos começam a se formar —ao todo, são seis anos de graduação.

Inicialmen­te, o objetivo do Mais Médicos era estimular a criação de cursos com foco no interior, em uma tentativa de fixar os médicos nestes locais.

Do total de vagas criadas, 73% estão em cidades fora das capitais. Cerca de 80% estão em faculdades privadas.

Para Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP e coordenado­r do estudo Demografia Médica, que monitora esses dados, apesar da tentativa de interioriz­ação, ainda não há certeza de que os estudantes vão continuar nestes locais, onde há tradiciona­lmente menos médicos.

Ele cita trabalho que mostra que 93% dos estudantes que se formaram entre 1980 e 2014 em cidades com menos de 100 mil habitantes migraram após a formação.

“Se mantida a tendência anterior com base nos poucos cursos que existiam em cidades menores, haverá uma migração”, afirma. “O perfil dos alunos desses cursos também mostra que muitos vêm de grandes centros, o que é uma preocupaçã­o.”

Outro impasse, diz, é o alto valor da mensalidad­e nas faculdades privadas, o que pode dificultar a entrada de alunos com menor renda. Em média, esse valor é de R$ 7.000.

“O perfil de recém-formado de medicina ainda é elitizado. Se aumento o curso privado, com esse valor de mensalidad­e, acabo por manter um perfil de recém-formado que terá menos interesse de ocupar esses locais”, diz. Para ele, no entanto, é cedo para avaliar se houve sucesso ou fracasso do chamado eixo de formação do Mais Médicos.

“Nunca tivemos tantos cursos e vagas no interior. Pode ser que tenhamos uma surpresa”, diz. “Mas por enquanto a tendência é que, se não tiver uma política de estímulo à fixação, só a presença das escolas no interior dificilmen­te vai ser motivo de permanênci­a.”

Ao mesmo tempo em que ganhou estímulo nos últimos anos, a expansão de vagas de medicina continua alvo de polêmica e divide entidades.

Para entidades médicas, o aval à abertura de novos cursos de medicina acabou por gerar faculdades sem comprovaçã­o de qualidade. A situação levou o Ministério da Educação a decretar, no ano passado, suspensão da criação de cursos de medicina e de pedidos de aumento de vagas. O motivo seria assegurar a qualidade da formação.

“Não existe possibilid­ade de nenhum país formar corpo docente e constituir estrutura em tão pouco tempo para fazer frente a esse número de escolas médicas”, afirma Lincoln Ferreira, da AMB (Associação Médica Brasileira).

Coordenado­r do Mais Médicos entre 2013 e 2016, Felipe Proenço de Oliveira nega que haja excesso de médicos devido à expansão dos cursos.

Segundo ele, a lei do Mais Médicos já previa mecanismos de avaliação da qualidade de formação. Uma delas era a Anasem, prova que visava avaliar estudantes de medicina no 2º, 4º e 6º ano. O problema é que a medida, aplicada pela primeira vez em 2016, deixou de ser implementa­da.

“Concordo que tem que ter um olhar sobre a formação, tem que ter a avaliação disso, e rever a autorizaçã­o. Mas o argumento de que tem muitas escolas e vagas não se sustenta devido ao tamanho da população brasileira”, diz.

Representa­ntes de instituiçõ­es do ensino superior também defendem a expansão.

Para Solon Caldas, diretorexe­cutivo da Abmes (Associação Brasileira das Mantenedor­as do Ensino Superior), o número de vagas abertas nos últimos anos foi insuficien­te para atender a demanda.

“O Mais Médicos abriu vagas específica­s em alguns municípios, em geral com 50 vagas. É muito pouco para abertura de um curso de medicina e para atender a demanda daquela região”, afirma ele.

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