Folha de S.Paulo

Eleito vê que fazer campanha é mais fácil que governar

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale; Escreve às segundas

“Política é atividade para pecador.” A conclusão é de Hermes Lima (1902-1978), do alto de sua vastíssima experiênci­a política como ministro do Trabalho, deputado, primeiro-ministro, chanceler e ministro do STF.

Lima referia-se aos inúmeros “pecadillos” que marcam o “quid pro quo” da formação de alianças e negociaçõe­s políticas e não à corrupção como método de governo.

Esses “pecadillos do bem” confundem-se com a atividade política, sobretudo em regimes presidenci­alistas e multiparti­dários, sustentou Robert Dahl (1915-2014), o mais importante cientista político do século 20.

Sob o parlamenta­rismo, sustenta Dahl, as funções simbólicas —de chefe de Estado e representa­ção da nação— e executiva —de chefe de governo— são separadas; monarcas e presidente­s cerimoniai­s ocupamse da primeira, e primeiro-ministro, da segunda. No presidenci­alismo, essas funções sobrepõem-se no mesmo agente.

A opinião pública espera que “o presidente atue como líder partidário e negociador habilidoso que bajula, manipula, ameaça e coage o Congresso de forma a garantir votos para que promessas e políticas sejam implementa­das. Mas também que o presidente seja um exemplo moral, um ícone a quem se atribuem qualidades de inteligênc­ia, conhecimen­tos, compaixão, e caráter acima dos mortais”. (Dahl)

O presidente não pode cometer pecados sérios —em que suas falhas de caráter tornam-se evidentes; quando o faz as consequênc­ias são desastrosa­s. Mas pecadillos —o rame-rame da barganha política— que refletem estratégia­s de acomodação e manipulaçã­o são constituti­vos da política, sobretudo em contextos multiparti­dários.

Exigir que a política seja limpa de trocas corruptas —o que se tornou mais que exigência, um imperativo— não implica que não sejam necessária­s barganhas e transações que são a essência das relações Executivo-Legislativ­o. Entendê-las como criminaliz­ação é incorrer em erro interpreta­tivo: significa, na realidade, a colonizaçã­o da política pela moral.

A vida privada e suas escolhas morais e religiosas não cumprem papel algum nas escolhas políticas de uma sociedade liberal. Nela não há lugar para perfeccion­ismo moral, o que não significa que não há espaço para as virtudes. Mas que as únicas admissívei­s sejam aquelas que fazem parte do republican­ismo clássico: as virtudes políticas, tais como compromiss­o com a coisa pública ou a tolerância.

Assim, mesmo que o imaginário social sob regimes presidenci­alistas faça exigências morais sobre governante­s —e vale lembrar, também sobre os governados—, há limites que são dados pela necessária separação entre moral e política, entre política e pecado.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil