Folha de S.Paulo

Muito pouco do que se passa na internet é espontâneo

Maioria das pessoas é alvo constante de campanhas políticas e de marketing, afirma autor de livro sobre ‘guerra’ nas redes sociais

- Patricia Campos Mello

Táticas desenvolvi­das por empresas como a Cambridge Analytica para segmentar eleitores, manipular fluxo de informaçõe­s e espalhar notícias falsas foram disseminad­as e são instrument­o de líderes populistas, afirma o estrategis­ta no centro de pesquisas New America e autor de livro recém-lançado sobre o assunto.

A maioria das pessoas não tem a consciênci­a de que é constantem­ente manipulada por campanhas políticas e de marketing na internet —muito pouco do que ocorre hoje nas redes, seja um vídeo viral, uma hashtag ou foto, é espontâneo.

Esse é o alerta de P. W. Singer, autor do livro recém-lançado “Likewar: the Weaponizat­ion of Social Media” (Likewar: a ‘Armamentiz­ação’ das Mídias Sociais, em tradução livre; sem edição no Brasil).

Segundo Singer, as táticas desenvolvi­das por empresas como a Cambridge Analytica para segmentar eleitores, manipular o fluxo de informaçõe­s que chega até essas pessoas e alimentá-las com notícias falsas que potenciali­zam seus medos foram disseminad­as e hoje são o instrument­o mais usado por líderes populistas, seja nos EUA com Trump, no “brexit”, nas Filipinas, na Itália ou no Brasil nas eleições.

“As vozes artificiai­s são determinan­tes para que campanhas ou ideias ganhem atenção online e se transforme­m em poder na vida real”, disse Singer, estrategis­ta no centro de pesquisas New America.

Depois de ler seu livro, é impossível não ficar com a impressão de que a maioria dos movimentos e campanhas no Facebook, no Twitter e no WhatsApp não é espontânea. Hoje em dia, pouco do que acontece na internet é natural. Talvez só aqueles vídeos fofinhos de gatos espontâneo­s. O objetivo do livro é ajudar as pessoas a en-

tender que elas são sempre alvo de campanhas políticas ou de marketing online, mas também são combatente­s cujos cliques e “likes” são determinan­tes. A maioria não tem consciênci­a de que está sendo direcionad­a, segmentada, e de que é um alvo.

Hoje em dia, qual é a prevalênci­a de bots, “sockpuppet­s” ou outros entes não-espontâneo­s

nas redes sociais?

É muito maior do que as pessoas imaginam. Essas vozes artificiai­s são determinan­tes para que alguma coisa ganhe atenção online. Basta observar os resultados de eleições recentes ao redor do mundo. Cerca de um terço das vozes online falando sobre o “brexit” eram bots. Essa foi quase a mesma porcentage­m de bots na eleição do México, neste ano. Não tenho números para o Brasil.

Existem os bots, que são máquinas, e os “sockpuppet­s”, que têm humanos por trás. A combinação dos dois é o que os torna mais poderosos, eles amplificam vozes, teorias da conspiraçã­o e notícias falsas. A combinação entre humanos, muitas vezes contratado­s, e bots é muito eficiente.

Além disso, é importante notar que foram dois fenômenos em ação na eleição de 2016 nos EUA e, agora, no Brasil. Nos EUA, havia milhares de contas falsas administra­das por russos, injetando informaçõe­s falsas. Mas essas contas também elevavam as vozes extremista­s reais, amplificav­am as visões mais extremas, retuitando, disseminan­do, aumentando o destaque.

No Brasil, houve fake news e campanha de desinforma­ção, mas também impulsiona­mento de extremista­s políticos. Até hoje, na maioria dos casos, isso tem sido feito pela direita —Trump, Filipinas, “brexit”, Itália, Brasil...

Mas por quê? A esquerda não sabe como usar esses instrument­os?

Eu não diria que é exatamente a direita tradiciona­l que vem fazendo isso, são governos populistas de direita com tendências autoritári­as. Eles têm conseguido mobilizar seus eleitores por meio das redes sociais de maneira muito mais eficaz, porque isso envolve ao mesmo tempo se beneficiar da liberdade de expressão e também manipular as informaçõe­s, e governos autoritári­os conseguem fazer isso melhor.

Mas essas táticas não são exclusivas de um partido ou orientação política. Recentemen­te, os fãs da Lady Gaga inundaram o Twitter com resenhas

“No Brasil, houve fake news e campanha de desinforma­ção, mas também impulsiona­mento de extremista­s políticos

e comentário­s negativos sobre um filme que ia estrear no mesmo final de semana em entraria em cartaz o filme estrelado pela cantora (“Nasce uma Estrela”). Criaram contas falsas fingindo ter assistido ao filme concorrent­e e tentaram viralizar críticas negativas. Não era a Lady Gaga, eram seus fãs fervorosos.

No caso político, muitas vezes há uma intervençã­o externa, como os russos na eleição americana ou no “brexit”. A tática dos russos é sempre amplificar os extremos e enfraquece­r o centro, para desestabil­izar o sistema.

Steve Bannon, ex-estrategis­ta de Trump, ex-vice da Cambridge Analytica e que apoia o italiano Matteo Salvini, o húngaro Viktor Orbán e Bolsonaro, destaca o papel das mídias sociais nas eleições de líderes populistas. Será que ele está de alguma maneira assessoran­do esses líderes em suas estratégia­s digitais?

Eu não sei se há envolvimen­to direto dele. Mas definitiva­mente as táticas desenvolvi­das pela Cambridge foram compartilh­adas e adotadas em vários locais do mundo: obter imensos bancos de dados, usá-los para fazer “microtarge­ting” de mensagens, manipular o fluxo de informaçõe­s que chega aos eleitores, enviar notícias falsas que potenciali­zam os medos desses eleitores. Essas táticas estão se espalhando, simplesmen­te porque elas funcionam. É uma guerra de likes.

Mas essas táticas conseguem realmente manipular opiniões e influencia­r resultado de eleições, isso não é um exagero?

O que podemos dizer é que os grupos que usaram essas táticas acreditam que elas funcionam. As campanhas políticas ao redor do mundo observaram as táticas que foram bem-sucedidas no referendo do “brexit” e na eleição de Trump e copiaram.

No Brasil, a mídia social mais usada é o WhatsApp. O Facebook anunciou uma série de medidas para inibir a disseminaç­ão de fake news e contas falsas, mas o WhatsApp foi bem menos pró-ativo e se nega a divulgar números sobre mensagens enviadas por contas banidas durante a eleição.

O sr. acha que Facebook, Twitter e WhatsApp realmente querem combater a manipulaçã­o da opinião pública em suas plataforma­s, ou é mais uma ofensiva de relações públicas, para evitar um desgaste da reputação das empresas?

Facebook e Twitter estão fazendo mais do que faziam antes, mas ainda falta muito. E essas empresas são incrivelme­nte pouco transparen­tes. Nos EUA, também sofremos para conseguir que nos deem informaçõe­s.

Mas há um problema maior. Todas essas são empresas privadas que visam ao lucro. Cada hora de trabalho de um funcionári­o gasta para combater desinforma­ção e fake news é uma hora que não foi usada para aumentar os lucros da empresa e levar as ações a subir. Tanto que elas só passaram a abordar esses problemas quando eles começaram a prejudicar suas marcas.

É o mesmo problema com os bots. No Twitter, sabemos que uma grande porcentage­m dos usuários é de contas falsas, bots, mas não é do interesse do Twitter limitá-las, porque elas fazem a plataforma parecer maior, o que ajuda a aumentar o preço de suas ações.

O que essas empresas deveriam fazer para combater a desinforma­ção e manipulaçã­o?

Como em saúde pública, há um papel a ser desempenha­do pelas empresas, outro pelo governo e outro pelos usuários. O governo precisa combater as campanhas de desinforma­ção, estimulara alfabetiza­ção digital para que as pessoas consigam identifica­r quando estão sendo manipulada­s.

Um bom modelo são países como a Estônia, que tem uma democracia vibrante e políticas contra desinforma­ção. No caso das empresas, é importante investir mais em moderação de conteúdo.

Um tema crucial são os chamados“super spread ers”(superdis se minadores ). São pessoas que têm um agrande capacidade par avir alizar informaçõe­s, seja uma teoria da conspiraçã­o ou desinforma­ção. Masa rea lida deé que um número bastante pequeno de super disseminad­ores controla a narrativa online e a leva para esses extremos. Então, é possível simplesmen­te excluí-los.

Também deveriam exigir que os bots e contas falsas fossem identifica­dos, houvesse um “disclaimer” —isto não é uma pessoa real usando a plataforma— para que as pessoas soubessem com quem estão lidando e de quem estão recebendo as informaçõe­s. Quem não fizesse o “disclaimer” deveria ser banido.

Noca sodas pessoas,é importante aumentara alfabetiza­ção digital, porque não sabem distinguir notícias e opinião, fatos e falsidades. Apessoaéu malvo, estás endo direcionad­a, e ela irá transmitir isso par aseus amigos e família. É uma precaução semelhante aquando você está tossindo e cobre sua boca paranã o contaminar os outros.

No livro, você descreve como Rodrigo Duterte, presidente das Filipinas, aproveita-se de seus seguidores mais fanáticos noFa cebo okp arades acreditar jornalista­s e ativistas. Qualé a importânci­a, nessa equação, de atacara imprensa e os ativistas?

Disseminar desconfian­ça em tudo e todos sempre foi uma estratégia de governos autoritári­os, e isso foi potenciali­zado com a internet. A mídia não apenas ajuda a colher informaçõe­s e notícias mas também a distinguir o que é verdade e o que é mentira, o que é importante e o que não é. Isso é uma ameaça para todos que dependem de desinforma­ção.

 ?? Angela Weiss - 30.out.18/AFP ?? Banca de jornais e revistas só com fake news, criada para alertar pessoas sobre a desinforma­ção, em Nova York (EUA)
Angela Weiss - 30.out.18/AFP Banca de jornais e revistas só com fake news, criada para alertar pessoas sobre a desinforma­ção, em Nova York (EUA)
 ?? Divulgação ?? Peter Warren SingerDout­or em gestão pública por Harvard e bacharel em Relacões Internacio­nais por Princeton. É cientista político, estrategis­ta no think tank New America e presta consultori­a a filmes, séries de ação e videogames como Call of Duty
Divulgação Peter Warren SingerDout­or em gestão pública por Harvard e bacharel em Relacões Internacio­nais por Princeton. É cientista político, estrategis­ta no think tank New America e presta consultori­a a filmes, séries de ação e videogames como Call of Duty
 ??  ?? LikeWar P. W. Singer e Emerson T. Brooking, ed. Houghton Mifflin Harcourt, R$ 74,90(ebook na Amazon),421 págs.
LikeWar P. W. Singer e Emerson T. Brooking, ed. Houghton Mifflin Harcourt, R$ 74,90(ebook na Amazon),421 págs.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil