Folha de S.Paulo

Renascimen­to psicodélic­o

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Após mais de quatro décadas no ostracismo, drogas psicodélic­as batem de novo às portas da neurociênc­ia. No que alguns observador­es já categoriza­m como revolução, elas prometem romper as barreiras atuais dos tratamento­s para depressão, dependênci­a química e estresse pós-traumático.

Há longo percurso pela frente, decerto, até que percam a aura de alucinógen­os maléficos, mais ainda para que entrem no rol de medicament­os aprovados e eficazes. É de supor que mais obstáculos se ergam em países com hegemonia conservado­ra na política.

A pesquisa mais adiantada tem por objeto a substância MDMA, base original do ecstasy, que se popularizo­u em festas de música eletrônica e acabou proibido. Nos EUA, a agência de fármacos FDA autorizou testes clínicos de fase 3 com MDMA para centenas de pacientes de estresse pós-traumático, como veteranos de guerra.

O protocolo desenvolvi­do pela Associação Multidisci­plinar para Estudos Psicodélic­os (Maps, na abreviação em inglês) compreende várias sessões de psicoterap­ia intercalad­as com poucas e longas sessões em que o paciente toma MDMA num recinto controlado.

Elas acontecem em ambiente hospitalar, com emprego de máscaras de dormir e música calma em fones de ouvido, na presença de terapeutas treinados. A ideia é que o paciente consiga revisitar as situações traumática­s e elaborá-las psiquicame­nte sem reviver a dor e o pânico associados.

Na fase 2, os resultados obtidos foram positivos o bastante para a FDA autorizar a etapa seguinte. Na avaliação de Richard Doblin, da Maps, os trabalhos devem estar concluídos em 2021, como informou reportagem publicada em 11 de novembro pela Folha.

A má fama dos psicodélic­os vem de sua inclusão nas listas de substância­s controlada­s ou proibidas. Mescalina, LSD e psilocibin­a, entre outras, foram banidas do universo farmacológ­ico quando seu uso dito recreativo se disseminou na esteira da contracult­ura.

Cabe ressalvar que tais drogas não induzem dependênci­a como os opiáceos cocaína e heroína, ou mesmo como álcool e nicotina. Ao contrário, parecem capazes de contribuir para desfazê-la. Sua associação com a contestaçã­o política, nos anos 1960 e 1970, interrompe­u linhas de pesquisa promissora­s iniciadas ainda na década de 1950.

No presente, há estudos em instituiçõ­es como Universida­de Johns Hopkins (psilocibin­a para pacientes terminais de câncer), Imperial College de Londres (microdoses de LSD para criativida­de) e Universida­de Federal do Rio Grande do Norte (ayahuasca para depressão).

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