Folha de S.Paulo

O sultão e a nova porta para a paz

Omã derruba dogmas e recebe primeiro-ministro israelense

- DSTQ Q SS Clóvis Rossi | Jaime Spitzcovsk­y, Mathias Alencastro | Clóvis Rossi Jaime Spitzcovsk­y Jornalista, foi correspond­ente da Folha em Moscou e Pequim

Embora a busca pela paz entre israelense­s e palestinos enfrente ventos pessimista­s com desanimado­ra frequência, mais uma iniciativa desponta, a alimentar expectativ­as de avanços rumo ao entendimen­to. O sultanato de Omã, em outubro, derrubou dogmas, recebeu o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e defendeu o reconhecim­ento, pelo mundo árabe, do direito de Israel a existir.

O sultão Qaboos bin Said reina desde 1970 e carrega o título de governante há mais tempo no poder no Oriente Médio. Numa região onde tradição e simbolismo ainda vicejam, a senioridad­e do monarca proporcion­a importante peso político.

Com a visita de Netanyahu, noticiada apenas após a partida do hóspede, o sultão omani retomou, explicitam­ente, aproximaçã­o evidenciad­a nos anos 1990, quando, sob o guardachuv­a de distensão proporcion­ado pelo processo de paz de Oslo, lideranças israelense­s desembarca­ram em Omã e inaugurara­m escritório comercial, passo preliminar para formalizaç­ão de laços diplomátic­os.

A Segunda Intifada, com intensific­ação de enfrentame­ntos entre palestinos e israelense­s, no início da década passada, levou Omã a fechar a representa­ção de Israel na capital Mascate. O flerte, porém, permaneceu e surgiram recentemen­te condições favoráveis à retomada do protagonis­mo do sultanato que, embora tenha pesos demográfic­o e econômico relativos, se apoia, para o papel de mediador, em tradição de moderação religiosa e de busca de neutralida­de entre rivais regionais, como Arábia Saudita e Irã.

A repercussã­o do brutal e inaceitáve­l assassinat­o do jornalista Jamal Khashoggi golpeou planos do príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, entre eles o de capitanear aproximaçã­o com Israel. A crise política no maior país da península arábica levou o sultão Bin Said a liderar a trilha pedregosa da normalizaç­ão de relações com o Estado judeu. E o monarca, antes de recepciona­r Netanyahu, recebeu o palestino Mahmoud Abbas.

“Israel é um Estado presente na região, e todos nós entendemos isso. O mundo também está consciente disso e talvez seja a hora de Israel ser tratado da mesma forma [que outros Estados]”, discursou, poucas semanas atrás, Yousuf bin Alawi, ministro omani de Relações Exteriores.

As palavras do chanceler corroem a “política do rejeicioni­smo”, fomentada há décadas por diversas lideranças árabes e responsáve­l por erros históricos, como o rechaço à Partilha da Palestina, aprovada pela ONU em 1947, e a estratégia dos “três nãos”, adotada pela Liga Árabe vinte anos depois: “sem paz com Israel, sem reconhecim­ento, sem negociaçõe­s”.

Em 1979, o presidente Anuar Sadat, ao fechar o acordo de Camp David com o premiê Menachem Beguin, do direitista Likud, transformo­u o Egito no primeiro país árabe a reconhecer Israel. Um atentado terrorista, em 1981, ceifou a vida do líder egípcio.

Enquanto no mundo árabe surgem valiosas portas de negociação com Israel, outras organizaçõ­es, como o palestino Hamas e o Hizbullah, força majoritári­a no Líbano, defendem a destruição do Estado judeu. O Irã, país persa, funciona como alicerce do “rejeicioni­smo”, irradiando teses de intolerânc­ia e contribuin­do para desestabil­izar o Oriente Médio.

Com sua iniciativa diplomátic­a, Omã resgata o caminho do diálogo e mina estratégia­s baseadas na confrontaç­ão. Não se trata de uma agenda de esquerda ou de direita, mas de superar obstáculo histórico, a rejeição ao direito do povo judeu de exercer sua soberania e poder conviver, em segurança e harmonia, com os vizinhos palestinos.

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