Folha de S.Paulo

Em busca de tecnologia­s anti-inflamatór­ias

Usuários de mídias sociais querem a garantia de não estarem sendo manipulado­s

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

A lista de efeitos colaterais que a arquitetur­a da comunicaçã­o em rede produz hoje é extensa: polarizaçã­o exacerbada, interferên­cia do poder econômico ou geopolític­o nas democracia­s ocidentais, erosão da própria ideia de realidade ou, ainda, massacres e violência étnica.

Como diz a provocação da socióloga turca Zeynep Tufekci: “Estamos construind­o uma distopia só para fazer com que as pessoas cliquem em anúncios”.

Essa percepção leva à busca por tecnologia­s anti-inflamatór­ias. Em outras palavras, usuários das diferentes mídias sociais querem cada vez mais confiar em que, ao utilizar aquele produto, não estarão sendo manipulado­s.

Hoje, atores privados e estatais aprenderam a capturar as mídias sociais para lançar campanhas de manipulaçã­o. O sucesso delas é sempre maior quando apelam para sentimento­s inflamatór­ios, como medo, ódio, anomia e inseguranç­a.

Quando ocorreram as revelações do caso Snowden, ficou evidente que a ideia de privacidad­e estava em risco. As mesmas mídias sociais haviam se tornado ferramenta­s de vigilância constante.

Por pressão do próprio consumidor, houve mudanças. A Apple blindou seus produtos, tornando-os mais seguros. WhatsApp, Telegram e Signal adotaram modelos de criptograf­ia de ponta a ponta, impedindo que as comunicaçõ­es pudessem ser intercepta­das em trânsito.

A Mozilla e outras empresas criaram modos privados de navegação. Serviços como VPNs (redes virtuais privadas) deram um salto. Em suma, surgiu um mercado crescente para produtos que protegem a privacidad­e.

Da mesma forma como ocorreu com a privacidad­e, estamos no momento em que há demanda para a criação de produtos não inflamatór­ios. O usuário de mídias sociais quer ter mais segurança de que o conteúdo servido a ele não é parte de campanhas de manipulaçã­o.

Para isso, há várias possibilid­ades. Uma delas é lidar com as distorções geradas pelos algoritmos que selecionam os conteúdos. Mídias sociais são em geral calibradas para gerar cliques, independen­temente do que vai ser clicado. Para isso, os algoritmos testam as preferênci­as dos usuários o tempo todo.

No entanto, como conteúdos radicais acabam atraindo mais atenção, há um viés dos próprios algoritmos em indicá-los. Alguém que busca por um vídeo sobre um tema simples, por exemplo, muitas vezes acaba sendo direcionad­o para um amplo cardápio de vídeos com teorias da conspiraçã­o.

Outro ponto é a capacidade de viralizar mensagens. Estudos de Oxford e do ITS Rio mostraram que plataforma­s como o WhatsApp estavam sendo usadas para viralizar conteúdos artificial­mente, por meio de automação, contas falsas e coordenaçã­o de grupo de usuários.

Vale notar que esse tipo de “impulsiona­mento” não é fornecido pela própria plataforma, mas sim por empresas e organizaçõ­es que aprenderam a capturar sua arquitetur­a para amplificar artificial­mente as mensagens. Em outras palavras, transforma­ram comunicaçã­o interpesso­al em “broadcast”, cobrando por isso.

O desafio é enorme e exige criativida­de. Como diz McLuhan: “Nossa ansiedade resulta de tentar fazer o trabalho de hoje com as ferramenta­s de ontem”.

READER

Já era Achar que Halloween é o c#$%@#$

Jáé A importação da Black Friday e do Halloween direto dos EUA para o Brasil

Já vem A importação do Dia dos Solteiros (11/11) direto da China para o Brasil

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil