Folha de S.Paulo

Nuvens já estão carregadas, e dificilmen­te não veremos tempestade

- Daniel P. Miraglia e Roberto Dumas Damas Sócio da Quasar Asset Management e professor de economia do Ibmec

Chegamos ao pico do ciclo econômico mundial. Completamo­s dez anos de políticas fiscais e monetárias expansioni­stas nas principais economias.

Os ativos “podres” que estavam nos balanços dos bancos em 2008 passaram a ser carregados pelos principais bancos centrais. A economia dos EUA está há mais de 12 meses crescendo acima do PIB potencial (o possível sem inflação).

Em outubro, os EUA criaram 250 mil empregos, suscitando aumento anual dos salários de mais de 3% e uma taxa de desemprego de 3,7% —a menor desde 1969.

Esse é o pano de fundo de uma economia com inflação crescente e prestes a superar a meta do Fed (o banco central) de 2% ao ano.

Maior pressão inflacioná­ria e maior déficit fiscal —que, de acordo com o Treasury and Office Management, alcançou US$ 779 bilhões no ano fiscal de 2018 ou 3,9% do PIB (0,4% maior do que em 2017)— fazem com que os juros entrem em tendência clara de alta.

Estima-se que o Tesouro dos EUA tenha de pôr mais de US$ 350 bilhões em novos títulos no mercado até o fim do ano. Maior oferta pode significar mais pressão de alta nas taxas de dez anos.

Outro dado é a atuação das agências Fannie Mae and Freddie Mac oferecendo empréstimo­s imobiliári­os com apenas 3% de downpaymen­t (entrada) há mais de 12 meses. Fato esse que, em parte, explica o fato de o preço dos imóveis já estar acima dos patamares pré-crise de 2008.

O caso das Bolsas não é diferente. Segundo a mensuração P/L Ajustado de Robert Schiller, o S&P Composite nunca esteve tão alto, a não ser em 1929 e em 2000.

Nota-se nitidament­e uma força nova atuando nos preços das ações nos EUA. São as recompras de ações.

Só em 2018, a SEC e Donald Trump autorizara­m um volume recorde de mais de US$ 1 trilhão em recompra. O principal comprador hoje não são investidor­es e fundos, mas as próprias empresas, que aproveitam os juros baixos para recomprar seus próprios papéis. O racional é simples.

Se o dividend yield — relação entre dividendos pagos e o preço da ação— estiver acima da taxa de juros do Fed de 12 meses, faz mais sentido para a empresa, sob o ponto de vista risco-retorno, se alavancar para recomprar suas próprias ações e/ou usar o caixa para recomprá-las.

O dividend yield médio do S&P hoje está em 1,9% ao ano. Isso explica o motivo por trás do endividame­nto recorde das empresas americanas, de mais de 45% do PIB no 2° trimestre, sem o esperado aumento de investimen­tos nas próprias empresas (Capex e P&D).

Com juros mais altos, essas recompras devem diminuir, e isso vai se somar aos fatores clássicos de correção dos preços das ações (e dos ativos de risco) em momentos de reversão do ciclo econômico.

As nuvens já estão carregadas no cenário mundial e dificilmen­te não veremos uma tempestade.

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