Folha de S.Paulo

Bolsonaro critica ONGs e põe em xeque R$ 1 bi de projetos ambientais

Dinheiro seria usado para recuperaçã­o da área da nascentes do rio São Francisco; 44 projetos estão habilitado­s para receber recursos

- Fabiano Maisonnave

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), retirará ao menos R$ 1 bilhão destinado a projetos ambientais caso cumpra a ameaça de extinguir um programa de conversão de multas do Ibama.

Pelo decreto assinado pelo presidente Michel Temer (MDB) no fim de 2017, o infrator ganha desconto de 60% no valor devido caso adira à modalidade de multa indireta, pelo qual o autuado financia projetos de recuperaçã­o de áreas degradadas por terceiros.

O dinheiro arrecadado se destina exclusivam­ente a projetos de recuperaçã­o ambiental, que podem ser apresentad­os tanto por entidades da sociedade civil sem fins lucrativos quanto públicas. Cabe ao Ibama fazer a seleção. No primeiro chamamento, a prioridade são as bacias dos rios São Francisco e do Parnaíba.

Na última sexta (16), o Diário Oficial publicou a lista dos primeiros 44 projetos pré-selecionad­os, todos de organizaçõ­es civis —a regulament­ação para o setor público não está pronta. Entre os participan­tes estão a Fundação Banco do Brasil, a Cáritas, ligada à Igreja Católica, e o WWF Brasil.

Até o momento, há R$ 1 bilhão disponível, resultado de R$ 2,6 bilhões de dívidas renegociad­as. O maior valor comprometi­do é o da Petrobras, R$ 350 milhões, já com o desconto de 60%. Isso equivale a quase três anos de orçamento discricion­ário do Ibama, que é de R$ 360 milhões.

Despesas discricion­árias são aquelas que o governo pode ou não executar de acordo com a previsão de receitas. Elas incluem custeio e investimen­to. No caso do Ibama, quase tudo vai para custeio.

“É um volume de dinheiro para o ambiente sem precedente­s na história”, afirma a presidente do Ibama, Suely Araújo. “E é um recurso não orçamentár­io, que vai ajudar o poder público a incentivar projetos que não ocorreriam de outra forma.”

O modelo, porém, desagrada a Bolsonaro, que vê aí um meio de repassar verbas para ONGs ambientali­stas, as quais costuma criticar.

“Estão chegando informaçõe­s que aproximada­mente 40% das multas aplicadas aos produtores rurais vão para ONGs. E isso é um decreto presidenci­al. Não sei se é verdade. Mas, se for, vocês já sabem o que eu vou fazer”, disse em uma rede social no último dia 9.

Na semana passada, tanto o ministro extraordin­ário do gabinete de transição, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), quanto a futura ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina (DEM-MS), afirmaram que o programa de conversão de multas será revisto ou cancelado.

“Existem exageros e coisas muito ideológica­s. Existe muito dinheiro para essas ONGs. A gente quer saber onde é que ele é aplicado, o que é que traz de resultado. Temos mais de R$ 15,3 bilhões de multa no setor agropecuár­io, e um percentual acaba indo para as ONGs. Mas vai pra quê? Vai pra melhorar o quê?”, disse Tereza Cristina na última terça (13), segundo o jornal O Globo.

A prioridade no momento é a recuperaçã­o das nascentes do rio São Francisco, em Minas Gerais, por meio do fortalecim­ento das Áreas de Proteção Permanente, plantio de árvores e pequenas obras.

“São dez sub-bacias bem na caixa d’água do São Francisco que, somadas, respondem por 70,6% da vazão na calha principal do rio”, diz Araújo, que vê benefícios para o produtor rural. “Vamos plantar árvores para colher água.”

Segundo a presidente do Ibama, trata-se de um volume de recursos inédito para a recuperaçã­o do rio, que sofre com problemas de assoreamen­to, entre outros. “Nos últimos 20 anos, não se aplicaram nem R$ 200 milhões na recuperaçã­o ambiental do rio.”

Para o secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais, Germano Vieira, o projeto de conversão de multas ajudará a recuperar o São Francisco, melhorando a segurança hídrica do país. “É um rio de integração nacional, por atravessar vários estados e ser importantí­ssimo para o setor energético, para a produção rural, para a indústria.”

Até o fim do ano, o Ibama deve escolher e divulgar os projetos selecionad­os no primeiro chamamento, mas não haverá tempo para a assinatura dos termos de compromiss­o.

De acordo com Araújo, caso o governo Bolsonaro decida revogar o decreto de conversão de multas e cancelar o primeiro chamamento de projetos, o governo federal poderia sofrer processos judiciais.

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