Folha de S.Paulo

As caravanas

Fiel a seu estilo e acenando para o eleitorado republican­o, Trump busca o embate ao tratar da marcha de migrantes da América Central aos EUA

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Sobre reações de Trump à marcha de migrantes.

Por mais que Donald Trump os queira longe, mais de uma dezena de milhares de migrantes que cruzam a América Central já se aglomeram no norte do México, às portas dos Estados Unidos. É preciso senso de urgência para resolver tal questão; a maneira como o presidente deseja solucioná-la, porém, tende apenas a um agravament­o.

A retomada do controle da Câmara pelo Partido Democrata, nas eleições do início do mês, obriga o líder republican­o a dialogar com a oposição caso pretenda rever pontos da legislação imigratóri­a —e, assim, dificultar a chegada dessas caravanas a solo americano.

Não parece ser esse o caminho escolhido pela Casa Branca. Trump estabelece­u, por ordem executiva (medida que não precisa passar pelo Legislativ­o), que o governo só aceitasse examinar pedidos de asilo de quem o fizesse nos postos oficiais de fronteira e aguardasse o trâmite fora do país.

Na segunda (19), um juiz federal suspendeu a determinaç­ão, sob o argumento de que cabe ao Congresso alterar esse tipo de norma.

Coerente com seu modo de governar, o mandatário tem preferido o embate. A começar pela recorrente associação que faz entre os democratas e o fluxo crescente de centro-americanos. Antes do pleito legislativ­o, lançou a desatinada tese de que estes eram incentivad­os a entrar nos EUA para se tornarem eleitores anti-Trump.

Para o presidente, o fato de integrante­s dessas marchas empunharem bandeiras de suas respectiva­s nações (em sua maioria de Honduras, Guatemala e El Salvador, que figuram entre os mais pobres do continente) seria uma prova de que não querem de fato emigrar, ou seja, estariam encenando uma farsa por motivação política.

Muito mais lógico seria depreender que esse contingent­e foge da violência e da falta de perspectiv­a no intento de aproveitar eventuais oportunida­des em uma economia em expansão —algo de que o chefe da Casa Branca tanto se gaba, aliás.

Não se pode ser ingênuo, contudo, em relação a esse diagnóstic­o míope. Convém a Trump tratar a imigração ilegal pela ótica puramente repressora. Uma pesquisa recente do instituto Pew aponta que 75% dos eleitores republican­os consideram o tema um problema “muito grande”.

A despeito de trazer mais popularida­de entre seus correligio­nários, a estratégia de bloquear todas as rotas apenas protela, ou quando muito transfere ao vizinho, a necessidad­e de oferecer alguma alternativ­a à massa de imigrantes.

Medidas de controle fronteiriç­o se justificam, decerto, mas devem ser acompanhad­as de um processo mais expedito de avaliação das solicitaçõ­es de asilo e da manutenção de programas de ajuda aos países da América Central. Do contrário, as caravanas só farão crescer.

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