Folha de S.Paulo

O estrangula­mento das livrarias

- Ruy Castro

Há 20 anos, as lojas de discos, centenário ramo de comércio dirigido às pessoas que gostavam de música, começaram a sofrer vários ataques. Um deles, ainda remoto, era a possibilid­ade de se capturar no ar um hit das paradas dispensand­o o disco físico —o streaming. Outro, já mais do que real, era o do comércio eletrônico. A ideia de encomendar pela internet um lançamento em CD a preço muito menor que o da praça, menor até do que o preço de custo, e ele ser entregue na sua porta era irresistív­el.

Por que a Amazon, líder desse gênero, faria isto? Porque, para ela, os discos eram uma isca para atrair clientela e levá-la aos outros 200 mil artigos da sua verdadeira base, que vai de celulares e ear phones até tratores e caminhões. As pequenas lojas de discos não tinham como competir e fecharam. E a implantaçã­o do streaming foi a pá de cal nas megalojas, como as internacio­nais Tower, Virgin e HMV e a nossa Modern Sound.

Certo, o mercado dita as regras e dane-se o avião, mas quem ganhou com isso? A música é que não foi. Milhões de pessoas não se adaptaram à nova tecnologia e deixaram de ter CDs para comprar. Com isso, ou se contentam em ouvir os discos que já têm ou vão para a praça jogar damas com os amigos.

O mesmo se dá hoje com o mercado de livros. O comércio eletrônico oferece os lançamento­s com descontos de tal ordem, 50 ou 60 por cento, que as livrarias físicas não têm como competir. Não que esse comércio queira perder dinheiro —ao contrário, os best-sellers que ele vende a preço abaixo do custo permitem-lhe conquistar clientes para o que realmente lhes interessa vender. Como fizeram com os CDs.

Mais uma vez, quem ganha com isso? Agora sabemos: por onde a Amazon passa, só a grama dela cresce. E, com a omissão oficial e o estrangula­mento das livrarias —as pequenas já estão deixando de existir—, algo muito maior vai perder. Começa com B, de Brasil.

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