Folha de S.Paulo

Anfitrião do G20, chanceler argentino minimiza protecioni­smo de Trump

Para Jorge Faurie, americano tem ‘diálogo sincero’ e comércio internacio­nal precisa ser modernizad­o

- Sylvia Colombo

Às vésperas de hospedar a reunião de líderes do G20, que reúne a União Europeia mais 19 países nos próximos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, a Argentina espera ter introduzid­o a ideia de que é necessário modernizar os modos de realizar comércio internacio­nal.

Em entrevista à Folha ,em seu escritório, em Buenos Aires, o chanceler argentino, Jorge Faurie, disse que quando seu país assumiu a presidênci­a do bloco, as primeiras reuniões mostraram que “as regras que estamos seguindo hoje estão inspiradas no mundo dos anos 1960 e 1970, e o mundo mudou dramaticam­ente. Não é porque ainda temos pendências na agropecuár­ia, por exemplo, que não temos de discutir o comércio eletrônico ou as criptomoed­as”.

Indagado sobre como seria o documento final do evento, que será apresentad­o antes do fim do encontro, porque o mandatário mexicano, Enrique Peña Nieto, só pode- rá participar do primeiro dia —no dia 1º de dezembro ocorre a posse de seu sucessor, Andrés Manuel López Obrador— Faurie disse que este ainda estava em aberto.

Apesar disso, tem sido difundido pela imprensa internacio­nal que o documento deve evitar falar em “protecioni­smo”, por conta de uma resistênci­a dos Estados Unidos.

Faurie minimizou as diferenças com o governo de Donald Trump. “Os Estados Unidos estão tendo conosco um diálogo sincero. Trump crê que o ambiente comercial está desnivelad­o para o lado deles, considera que se julgam os EUA com uma régua e as economias em desenvolvi­mento com outras.”

Quando o tema é protecioni­smo, Faurie diz que os EUA “são a economia mais aberta do mundo. Se agora retroceder­am de 100% de abertura para 90% ou 95% não é nada perto do quão fechados somos Brasil e Argentina, por exemplo. Temos aberto por volta de 20% da nossa economia, quando no mínimo devería- mos abrir-nos em 35% ou 40%”.

Faurie também não crê que a guerra comercial entre Estados Unidos e China deva preocupar os países da região.

“Qualquer país inteligent­e, numa disputa dessas, tem de fazer um exercício de equilíbrio que não nos leve a ter de optar por EUA, China ou União Europeia. Nem há nenhuma pressão para que façamos isso. Nossa preocupaçã­o tem de ser que nosso comércio flua e que possa crescer em cada um desses destinos.”

Durante o encontro será assinado, também, o novo tratado entre os países da América do Norte, que substituir­á o Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte), depois que Trump pediu mudanças no mesmo, ameaçando “rasgá-lo” durante a campanha presidenci­al de 2016.

“Nos alegra que o façam aqui, embora sejamos apenas o espaço em que isso possa acontecer, não temos influência direta”, diz Faurie.

Um dos encontros mais comentados da cúpula, porém, é o que deve ocorrer entre o príncipe saudita, Mohammed bin Salman, e o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. Será a primeira vez em que ambos aparecerão em público depois do assassinat­o do jornalista Jamal Khashoggi, crítico da monarquia saudita, dentro do consulado do país em Istambul, na Turquia.

“Ambos confirmara­m a presença, e o ideal seria que houvesse um posicionam­ento da Arábia Saudita que ajudasse a esclarecer o que ocorreu com esse jornalista.”

Entre os que planejam manifestar-se contra o G20 —há passeatas e atos programado­s em Buenos Aires— houve quem questionas­se a presença do líder saudita na cúpula. Faurie responde: “O G20 é uma reunião dos países com as economias mais representa­tivas do mundo. Cada país decide quem os representa e esses líderes vêm. Cada país deve se encarregar de quem escolhe e ver o que a opinião pública responde”, explica.

Por outro lado, afirma que “a Argentina tem uma posição clara que defende a liberdade de imprensa, e nos parece importante proteger a vida dos que são profission­ais que contribuem para que exista a liberdade de imprensa. Por isso esperamos que o episódio seja esclarecid­o”.

Indagado sobre as menções do presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, e de seu entorno, minimizand­o a importânci­a do Mercosul, Faurie não se mostrou preocupado.

“Para nós, o Mercosul é uma prioridade. É uma ferramenta para construir a integração, que foi útil para superar anos de desconfian­ça e apontar para um processo de integração que é fundamenta­l para dar maior dinamismo a nossas economias. Agora, o dinamismo de que fala Bolsonaro ou seu ministro Paulo Guedes é parte da tarefa de crescer num processo de integração. O Mercosul não é uma Constituiç­ão de valores intangívei­s.”

Faurie também acrescento­u que a Argentina não se sentiu ofendida pelo fato de Bolsonaro ter demonstrad­o vontade de fazer sua primeira viagem internacio­nal provavelme­nte ao Chile. “Não creio que isso tenha a ver com um elogio ao pinochetis­mo, porque a sociedade chilena de hoje não é pinochetis­ta. E se ele quer ir lá antes, é um direito dele. Bolsonaro e [o presidente argentino] Macri já conversara­m por telefone em bons termos e o presidente eleito manifestou interesse em visitar a Argentina também”.

 ??  ?? Jorge Faurie, 66Ministro das Relações Exteriores da Argentina desde 2017, foi embaixador na França (2015-2017) e em Portugal (2002-2012), entre outros cargos diplomátic­os
Jorge Faurie, 66Ministro das Relações Exteriores da Argentina desde 2017, foi embaixador na França (2015-2017) e em Portugal (2002-2012), entre outros cargos diplomátic­os

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