Folha de S.Paulo

Médicos cubanos começam a deixar o Brasil

Primeiros ex-participan­tes do Mais Médicos partiram em voo de Brasília e expressava­m surpresa e apoio à decisão de Cuba

- Natália Cancian

Ao ver a pilha de malas próximo à área de desembarqu­e do aeroporto de Brasília e as bandeiras de Brasil e Cuba, a advogada brasileira Maria do Socorro Thomaz, 56, não conteve as lágrimas.

“Muchas gracias, viu?”, disse ao ver os médicos com adesivos e placas com o nome da cooperação cubana no Mais Médicos. “Já morei no interior do Acre e sei como é importante a presença do médico. É uma tristeza isso.”

Após o anúncio do fim da participaç­ão de Cuba no programa, cerca de 400 médicos que até então atuavam no país começaram a voltar para a ilha nessa quinta-feira (22).

A situação levou o aeroporto a separar um espaço para dar conta da partida, dos caminhões com pertences e da longa fila de embarque. Os dois primeiros voos, fretados na companhia Cubana, partiriam às 22h e à 1h rumo a Havana.

Desde quarta (21) os médicos chegam a Brasília. A maioria relata surpresa por ter que deixar o programa.

“No posto, todos me perguntava­m: mas por que está indo embora?”, disse Rosilie Torres, 32, que trabalhava em Tupanating­a, em Pernambuco. Aos pacientes, disse que precisava voltar para a família. Porém, relata que não esperava pela saída tão cedo.

Segundo ela, a unidade onde trabalhava deve agora ficar sem médico. “Só tinha eu para 4.268 pacientes”.

Apesar da surpresa, a maioria dos médicos que esperava pelo embarque nesta quinta dizia apoiar a decisão de Cuba.

“Se você tivesse um filho e falassem mal dele, você faria o mesmo”, afirma Yoendri Vera, 34, que trabalhava há dois anos em São Caetano, no interior de Pernambuco.

Para ele, as críticas do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL),sãoinjusta­s.“Elefalaque é uma escravidão. Não acho. Sabemos que esse dinheiro vai para o governo de Cuba investir em novos médicos. Eu me formei e nunca paguei um peso [cubano] por isso.”

Ao contrário de 2013, quando houve protestos na chegada dos médicos, a saída ocorria de forma tranquila. Na bagagem, além de malas, era comum ver caixas de eletrônico­s aparenteme­nte novos, em especial grandes televisore­s de tela plana. Alguns também levavam animais de estimação.

Segundo Rosilie, a maioria correu para tentar vender parte do que juntou no Brasil. “Mas não deu tempo e distribuí muita coisa”, conta.

Segundo a Opas (Organizaçã­o Pan-Americana de Saúde), a expectativ­a é que todos os médicos cubanos deixem o país até o próximo dia 12, por São Paulo, Salvador e Manaus.

O Ministério da Saúde decidiu prorrogar o prazo de inscrições para o novo edital do Mais Médicos, aberto para preencher as vagas deixadas pelos cubanos, e adiou a chegada dos profission­ais aos municípios. A seleção foi aberta na quarta, mas, segundo a pasta, o sistema foi alvo de ataques.

A data final foi adiada de domingo (25) para 7 de dezembro. Com isso, os médicos que já estiverem inscritos e alocados poderão se apresentar nos novos postos de sexta (23) a 14 de dezembro —o prazo era 3 de dezembro. Até as 17h desta quinta foram registrada­s 11.429 inscrições para o edital, segundo a pasta, e 3.648 já foram alocados aos municípios —43% das vagas abertas.

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Pedro Ladeira/Folhapress Médicos cubanos prestes a deixar o Brasil fazem check-in no aeroporto de Brasília na noite desta quinta (22)

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