Escolhida em licitação de direitos de TV da CBF era empresa de móveis
Inexperiente, dona de oferta original de R$ 550 milhões por direitos do Brasileiro superou gigantes
A francesa Lagardère tem mais de 1.600 funcionários espalhados pelo mundo e 50 anos de experiência no esporte. Já a norte-americana Octagon representa centenas de atletas e gerencia cerca de 13 mil eventos por ano. A também norteamericana IMG, por sua vez, tem escritórios em mais de 30 países e é dona de direitos internacionais e comerciais de TV da Copa Libertadores e do bilionário Campeonato Inglês.
As três empresas internacionais e a suíça Sinergy participaram da licitação promovida pela CBF para explorar o Campeonato Brasileiro no exterior de 2019 a 2022, de acordo com documentos enviados pela entidade aos clubes. Além das quatro companhias internacionais, outras quatro nacionais fizeram proposta pelos direitos do principal torneio do futebol nacional.
No final, a oferta vencedora foi feita por uma empresa que pertencia ao ramo de móveis até o fim do ano passado. Com sede em uma pequena sala de um prédio no centro do Rio, a BR Newmedia consta na documentação da CBF como autora de uma proposta de R$ 550 milhões.
Em 18 de dezembro de 2017, a Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (Jucerj) deferiu mudanças no contrato social da Farimor Mobiliários de Escritório, que trocou de atividade econômica para a de agência de publicidade e passou a se chamar BR Newmedia Distribuição de Conteúdo Digital.
Na mesma época, a CBF já fazia movimentação para realizar a concorrência pelos direitos internacionais do Brasileiro. Segundo disse em agostoà Folha Walter Feldman, secretário-geral da CBF, esse procedimento teve início em julho de 2017, quando a confederação procurou os clubes para promover a licitação.
A Folha foi até o endereço da BR Newmedia, segundo registro na Receita Federal, e constatou que lá funciona o escritório de contabilidade Pinheiro Monteiro. O contador Edvan Pinheiro informou que a empresa hoje está “em stand by”.
As outras firmas nacionais que participaram da licitação foram Klefer, Sport Promotion e Propaganda Estática.
A Klefer —do ex-presidente do Flamengo Kleber Leite— foi acusada pelo empresário J. Hawilla, delator principal do caso Fifa, de pagar propinas por contratos de TV da Copa do Brasil. A empresa nega.
A Sport Promotion enfrentou acusações de fraude em convênios de 2011 com a FPF (Federação Paulista de Futebol), então presidida por Marco Polo Del Nero —o Ministério Público abriu inquérito, mas nada foi comprovado. A Propaganda Estática tem desde 2003 parceria com a FPF para explorar as placas de publicidade do Paulista.
Todas as empresas envolvidas na licitação foram procuradas pela Folha ao longo do último mês. A IMG afirmou que não comenta suas negociações. A Octagon negou ter feito proposta na licitação da CBF e apontou que ofereceu, no caso, ajuda à confederação para analisar, vender e distribuir os direitos internacionais do Brasileiro, pedindo em troca 5% de comissão na negociação. As outras empresas não responderam.
A oferta da BR Newmedia foi escolhida como vencedora da licitação, mas quem assinou os contratos de R$ 550 milhões —sendo R$ 110 milhões pelos direitos internacionais e R$ 440 milhões pelas placas de publicidade— foi uma empresa chamada BR Foot Mídia, criada após a concorrência. A CBF vai ficar com comissão de 10%.
Caio Cesar Vieira Rocha, presidente do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) nas gestões José Maria Marin e Marco Polo Del Nero na CBF, foi o representante jurídico da BR Newmedia no processo de licitação e também era o único acionista da BR Foot Mídia à época da confecção dos contratos com a con- federação e os clubes.
“Qualquer pergunta direcionada à empresa BR Newmedia talvez possa ser respondida por Patrícia Coelho, controladora da companhia. Por dever de sigilo, o advogado não sabe nem pode dizer se a exclusão da BR Newmedia [da licitação] e sua sócia se deu por irregularidade, desvio de conduta ou incapacidade financeira”, disse o expresidente do STJD, por meio de sua assessoria de imprensa.
A BR Newmedia disse que Caio Cesar Vieira Rocha era o responsável pela negociação.
“A BR Newmedia esclarece que não conduziu nenhuma negociação com a CBF, tendo sido esta realizada pelo advogado Caio Rocha, e desconhece exclusão feita por grupo de investidores ou potenciais sócios por qualquer motivo. Quaisquer ilações diferentes desses fatos são totalmente repudiadas pela BR Newmedia”, disse a empresa, por meio de sua assessoria de imprensa.
Por telefone, Patrícia Coelho não quis dar entrevista, mas afirmou que a compra de uma empresa já existente é feita para acelerar o processo de criação de uma nova companhia. No caso, portanto, a Farimor Mobiliários foi adquirida pela empresária no mercado e batizada de BR Newmedia para participar da concorrência da CBF.
“A BR Newmedia foi uma start up criada para viabilizar um projeto online cujo foco era a produção de conteúdo jornalístico e publicidade em futebol”, explicou a empresa, em nota oficial. No começo do ano, ela já havia adquirido a Revista Placar por R$ 30 milhões, mas enfrentou problemas de pagamento.
Até agosto, Vieira Rocha também aparecia como um dos membros do conselho de administração da BR Newmedia em documentos na Jucerj. O advogado diz que foi colocado à revelia no cargo, tendo comunicado o fato a Patrícia Coelho e notificado a empresa para excluir seu nome. Também aponta que foi acionista da BR Foot Mídia apenas de forma momentânea, até que as ações fossem adquiridas por uma empresa americana.
Conforme revelou a Folha em outubro, logo após assinar os contratos com a CBF, a BR Foot Mídia foi vendida a um fundo chamado FanFoot, localizado no paraíso fiscal de Delaware, nos EUA. O local é considerado o território com o sigilo mais rigoroso do mundo, razão pela qual a reportagem não conseguiu ter acesso aos donos da holding.
Já a CBF disse que “a empresa escolhida em um processo conduzido pelos clubes demonstrou todas as condições técnicas e garantias econômicas para o cumprimento do contrato”.
Fechada com a BR Foot Mídia, a CBF se negou a ouvir propostas maiores apresentadas pelos clubes posteriormente. Uma delas, do fundo luxemburguês Prudent, levada pelo Flamengo, alcançava US$ 200 milhões (R$ 800 milhões), mais 50% das receitas, que poderiam chegar a US$ 3 bilhões (R$ 12 bilhões) em 10 anos.
Mesmo assim, a confederação não quis discutir com as equipes. Por essa razão, Flamengo e Atlético-PR ficaram fora dos contratos de TV e placas de publicidade. O Corinthians também se negou a assinar o segundo acordo.