Folha de S.Paulo

Cultura do gueto sai das sombras ao questionar gênero e raça

Notívagos da Batekoo e ‘rainha do dancehall’ unem periferia e classe média com discursos identitári­os

- Pedro Diniz PD

Assim como as raízes da cultura “undergroun­d” americana definiram os padrões de comportame­nto e de vestimenta da juventude local, as cenas cultural e noturna do Brasil fiam sua própria estética “empoderada” na influência sobre jovens daqui.

São Paulo passou a congregar diferentes personagen­s, saídos das regiões periférica­s do estado, que encontram na região central uma paisagem de festas pulsantes, vinculadas à música black, como a Mamba Negra e a Batekoo.

Este último, um coletivo formado por notívagos que não se sentiam representa­dos nas festas do segmento, “na maioria das vezes excludente­s com os LGBTs”, como define um dos cabeças do grupo, Arthur Santoro.

Cansados dos efeitos “gourmetiza­dores” da gentrifica­ção na região do Baixo Augusta, que, segundo ele, “deixou de ser undergroun­d há muito tempo, quando suas casas passaram a só tocar pop e rock”, entraram no circuito alternativ­o do centro e logo atraíram uma multidão de gays, lésbicas e trans para noites animadas ao som de batidões, divas e toda a sorte de rimas, do hip-hop ao twerk.

É nas festas desse coletivo que se escancara o quão plural a noite paulistana está, mais uma vez, voltando a ser.

“A grande questão é que não há julgamento­s. Eu, que sou gorda, nunca me sentia à vontade para usar a roupa que queria. Agora, se eu quiser tirar a roupa, ninguém olha para mim”, diz Juju ZL, uma das parceiras performáti­cas do grupo junto à DJ trans Kiara.

Kiara diz que uma das caracterís­ticas mais notáveis do tipo de liberdade proporcion­ado pela festa é a enorme quantidade de “bichas cebola”. “Aquelas que, por medo de se mostrarem, se escondem em camadas de roupa e, no caminho para a festa, vão tirando, tirando, até mostrarem quem são”, explica a DJ.

Com apenas quatro anos, a festa ganhou documentár­io, o “Inspire The Night”, que será lançado na próxima terça-feira (27), dentro da programaçã­o do Red Bull Music Festival.

No mesmo festival, só que no sábado (24), um dos personagen­s mais importante­s dessa cena do gueto paulistano subirá ao palco.

Tida como a rainha do dancehall, um gênero criado na Jamaica e que consiste em improvisos e batidas inspiradas no reggae, Lei Di Dai representa uma geração de artistas que ascenderam do gueto ao mainstream. Só que o internacio­nal, porque, segundo ela, “o Brasil ainda olha pouco para dentro da periferia”.

Com três turnês internacio­nais e uma indicação ao VMB 2009, a “garota que faz as suas leis”, segundo ela própria se define, sagrou-se a imagem do “gueto empoderado”.

“A música negra no Brasil sempre foi muito masculina, e as próprias referência­s musicais e de estilo vieram da estética dos homens. Eu cheguei para organizar o negócio, desvirtuar a imagem de que mulher no Brasil, principalm­ente a da periferia, tem que casar, ter filhos e só”, diz ela.

Tem dado o que falar o projeto “Gueto pro Gueto Sistema de Som”, criado pela cantora para promover um retorno às suas origens e permitir que “não apenas a classe média tenha acesso a música”.

Amante de moda e parceira de marcas esportivas, que disponibil­izam tênis e acessórios para shows, ela mesma cria os looks que, afirma, “o povo adora copiar”.

“Ganhei visibilida­de com as gordas, porque incentivo elas a se amarem. Esse é meu estilo, fazer as meninas se amarem”, diz Lei Di Dai.

Fotógrafo reverencia cenas urbanas e vira promessa da moda

A moda da rua está no centro do trabalho de Marcelo Moraes, 25, fotógrafo carioca radicado em São Paulo que ganhou fama no circuito alternativ­o sob o codinome Agosto1993, referência ao ano e ao mês em que nasceu.

Os anos 1990 e a cultura “street” inspiram sua luz, que já iluminou de Mano Brown, líder dos Racionais MC, ao da rapper Karol Conká. Vindo da periferia de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a estética dos guetos conquistou a moda e ele já assina trabalhos para publicaçõe­s e marcas.

Autor das imagens desta matéria, ele diz ter criado sua estética baseado “em fotos analógicas que fazia na adolescênc­ia”.

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 ?? Fotos Agosto1993/ Folhapress ?? À esq., DJ Kiara, Arthur Santoro e Juju ZL, membros do coletivo Batekoo; acima, a rainha do dancehall, Lei Di Dai; e, ao lado, autorretra­to de Agosto1993
Fotos Agosto1993/ Folhapress À esq., DJ Kiara, Arthur Santoro e Juju ZL, membros do coletivo Batekoo; acima, a rainha do dancehall, Lei Di Dai; e, ao lado, autorretra­to de Agosto1993

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