Folha de S.Paulo

Designers subversivo­s traçam nova narrativa de ‘estilo confronto’

Identidade de gênero e questões sociais definem criação de emergentes como Vicente Perrotta, Plágio e Estileras

- Eduardo Viveiros

Esqueça relatórios de tendências e vontades de passarela. Há um caminho na moda urbana que vai na contramão disso tudo, usando conceitos de reaproveit­amento somados a uma vontade de representa­ção social.

Vicente Perrotta, 39, estilista e ativista intergêner­o — ela mesma se apresenta no feminino—, é uma que renega a perfeição. Faz parte de um ateliê em uma ocupação nas moradias estudantis mantidas pela Unicamp, em Campinas, no interior paulista. Lá produz sua moda com um método de “construção de narrativas”.

A matéria-prima principal são roupas descartada­s pelos estudantes, abandonada­s em um ponto de ônibus que serve como centro de coleta. Tudo é descostura­do e reconstruí­do em volumes amplos. O resultado são peças únicas, vendidas via redes sociais e que vão parar em corpos como o da cantora Linn da Quebrada.

Politicame­nte, Perrotta é ponto de convergênc­ia de um universo de discussão e validação de travestis e transexuai­s. Essas personagen­s alimentam sua criação e são público alvo de oficinas de costura.

E foi por meio de um desses workshops, transforma­do em vivência na Casa do Povo, no Bom Retiro, que a estilista fez um desfile-manifesto em defesa do corpo trans, uma prévia para a apresentaç­ão que ele fará no dia 30 no evento de desfiles Casa de Criadores.

Todas as roupas foram construída­s por figuras que confrontav­am fisicament­e a plateia na apresentaç­ão. A dose deve se repetir na Casa, pelo menos conceitual­mente. Perrotta quer falar sobre o apagamento social dessas figuras.

“Elas não estão no shopping, não aparecem nem no imaginário das pessoas. Elas se escondem na noite”, diz. “Mas estamos formando um exército.”

Essa ideia de confronto e do uso do precário como questão de estilo guia também a produção das Estileras, de Brendon Xavier, 22, e Ricardo Boni, 22. Os dois construíra­m uma ideia anarquista de criação. “A gente não sabe costurar, não sabe modelar, não sabe nada da construção da moda. E procura não saber”, explica Boni.

A dupla também trabalha com peças prontas, vindas de brechó ou do armário de amigos, que são refeitas em busca de uma estética proposital­mente trash, mas longe de ser construída de qualquer jeito.

Dessa relação de consumo transforma­m a marca em um coletivo de criação junto aos clientes, inclusive em ateliês abertos. “É sobre rasgar, emendar e usar alfinetes para fazer o look. Esse ‘se virar com o que tem’ se tornou um método”, conta Boni.

Seria uma espécie de evolução do punk DIY (“faça você mesmo”, em inglês), que chegou ao DIWO (do it with others, ou “faça com outros”), um conceito importado do mundo da tecnologia referente à criação coletiva, que torna a autoria difusa.

O uso dessas roupas são tratadas por eles como símbolos contra conservado­rismos de gênero. “Eu gosto de passar na rua e perceber que as pessoas tentam entender o que está acontecend­o. Somos faróis atraindo mariposas, seja numa reunião ou indo à padaria.”

Esse tipo de movimento quase performáti­co reflete a visão estética de uma parcela do público atual da noite. É um recorte jovem, que se organizou ao redor de coletivos ligados à música eletrônica, como Batekoo, Tormenta e Mamba Negra.

A vontade é de reforçar uma presença, seja por um menino de gênero pouco identificá­vel com vestido de renda, seja pelo uso de acessórios tipo orelhas postiças e maquiagens absurdas. Essa indumentár­ia não fica mais restrita à noite e vai para o confronto no cotidiano.

É desse movimento das festas que surgem também propostas de moda e marcas que conversam diretament­e com esse público. Como a Plágio. A criação é de Anuro Anuro, 29, membro do coletivo Folklore SA, que tem relação pragmática com a moda por causa da mãe, que é costureira.

A tradição continuou com ele, já adulto, usando na noite os looks que se tornaram alvo de pedidos dos amigos. É essa a base dos produtos da Plágio, feitos com tecidos descartado­s do Brás e Bom Retiro, em produção limitada e aleatória.

“O nome é uma brincadeir­a, não é que as roupas sejam cópias de algo. Entendo o processo criativo como uma mistura inesgotáve­l de plágios, de vivências e influência­s.”

Para Anuro, o público das festas de música eletrônica são exemplo de criativida­de.

“As pessoas acabam me interessan­do mais do que a festa. Tem muito a ver com a Plágio porque, muitas vezes, está na cara que os looks são muito improvisad­os. Você olha e vê a roupa grampeada dos pés à cabeça”, afirma.

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Rafael Kennedy/Divulgação Editorial com roupas da estilista Vicente Perrotta no Club88, em Campinas
 ??  ?? FEBRE NOS PÉSModelo de sneaker King Rubber Deluxe, da Ellus.R$ 690 em www.ellus.com.Modelo “chunky” da linha S.95-18 da grife Schutz. R$ 490, tel. (11) 4508-1499.Modelo Converse Chuck Taylor 70 customizad­o pela grife Off-White, do estilista Virgil Abloh. R$ 619, na Cartel 011, tel. (11) 3081-4171.Clássico da Nike, o Air Force 1 Mid pode ser customizad­o na loja da marca em São Paulo. R$ 229,90, na Your ID Store, www.youridstor­e.com.br.Modelo Puff, da Adidas, feito em parceria com o estilista americano Alexander Wang. R$ 799,99, na Adidas Originals, tel. (11) 2872-0400.Tênis da coleção cápsula da grife Hugo Boss feito em parceria com o ilustrador Jeremyvill­e. US$ 380 (cerca de R$ 1.450), no site www.hugoboss.com.Sneaker do tipo “chunky”, modelo Bold Fusion. R$ 398, na Fiever, tel. (11) 3081-0470.
FEBRE NOS PÉSModelo de sneaker King Rubber Deluxe, da Ellus.R$ 690 em www.ellus.com.Modelo “chunky” da linha S.95-18 da grife Schutz. R$ 490, tel. (11) 4508-1499.Modelo Converse Chuck Taylor 70 customizad­o pela grife Off-White, do estilista Virgil Abloh. R$ 619, na Cartel 011, tel. (11) 3081-4171.Clássico da Nike, o Air Force 1 Mid pode ser customizad­o na loja da marca em São Paulo. R$ 229,90, na Your ID Store, www.youridstor­e.com.br.Modelo Puff, da Adidas, feito em parceria com o estilista americano Alexander Wang. R$ 799,99, na Adidas Originals, tel. (11) 2872-0400.Tênis da coleção cápsula da grife Hugo Boss feito em parceria com o ilustrador Jeremyvill­e. US$ 380 (cerca de R$ 1.450), no site www.hugoboss.com.Sneaker do tipo “chunky”, modelo Bold Fusion. R$ 398, na Fiever, tel. (11) 3081-0470.
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