Afastamento do trabalho por doenças mentais sobe 12%
Afastamentos já têm alta de 12% no ano; gastos com saúde mental são crescentes
A crise econômica e o uso intenso de tecnologia contribuíram para uma explosão de doenças de saúde mental no Brasil, elevando o peso da ansiedade e do estresse entre as causas de afastamentos do trabalho e pressionando os gastos dos planos de saúde e da Previdência Social.
Dados de relatórios anuais da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) compilados pela Folha revelam que o número de consultas psiquiátricas cobertas pelos planos saltou de 2,9 milhões em 2012 para 4,5 milhões em 2017 —um volume de 1,4 milhão de novos atendimentos.
O aumento de 54% é o quíntuplo dos 10% registrados no mesmo período pelas consultas de forma geral.
“O mercado de trabalho está em mutação. Metas associadas a desempenho se tornaram mais comuns, e as plataformas digitais permitem acesso quase ilimitado aos funcionários”, afirma Benedito Brunca, subsecretáriogeral de Previdência Social.
Segundo ele, o problema é que a busca por maior produtividade tem gerado efeitos colaterais negativos.
A alta no número de afastamentos de profissionais avaliados como psicologicamente incapazes de se manter na ativa também chama a atenção.
Nos primeiros nove meses deste ano, o INSS concedeu 8.015 licenças para o tratamento de transtornos mentais e comportamentais adquiridos no ambiente de trabalho —alta de 12% em relação ao mesmo período de de 2017.
O conjunto de males que inclui depressão e ansiedade saltou de 4,8% do total de novas aprovações desses benefícios —auxílios-doença acidentários— nos primeiros três trimestres do ano passado para 5,2% no mesmo período de 2018.
Embora permaneçam em terceiro lugar entre as doenças causadas pelo próprio emprego —atrás de lesões e problemas musculares—, a parcela de afastamentos por transtornos mentais tem aumentado.
Em 2008, primeiro ano para o qual há estatísticas disponíveis, representavam 3,6% dos auxílios-doença acidentários.
As doenças mentais, além do custo pessoal —por ter alto potencial incapacitante e ser cercada por estigma—, implicam um dispêndio significativo.
“É uma doença silenciosa. Muitas vezes você só percebe quando está avançada e a pessoa deixou de ser produtiva”, diz Cadri Massuda, presidente do Sinamge (Sindicato Nacional dos Planos de Saúde).
Segundo a Secretaria de Previdência, entre 2012 e 2016, as despesas com auxílio-doença acidentário por transtornos mentais e comportamentais somaram R$ 784,3 milhões, ou 7,3% dos gastos com todas as enfermidades.
A fatia é significativa considerando que, em termos de volume de concessões de novas licenças, as doenças mentais representaram 4,2% do total no mesmo período.
“A discrepância se explica por dois motivos. Essas enfermidades podem causar afastamentos longos. No período analisado, as ausências por doenças mentais duraram, em média, 211 dias, ante 183 do total dos auxílios acidentários.
“A doença psiquiátrica se agrava gradualmente até incapacitar a pessoa. Por isso requer tratamentos longos”, diz Eduardo Koetz, sócio do escritório Koetz Advocacia. O valor médio do benefício por transtorno psicológico ainda é mais alto do que a média.
Entre 2008 e 2017, saltou de 35% para 46%, segundo o INSS. Isso sugere que tem crescido a fatia de trabalhadores mais bem remunerados entre os que sofrem esses males, o que pode ajudar a explicar o salto na demanda por cobertura dos planos.
Além das consultas psiquiátricas, houve alta em internações curtas e longas ligadas à saúde mental. A demanda por psicólogos também cresceu, mas isso se deveu, em parte, à maior cobertura mínima obrigatória a partir de 2016.
“Com o maior debate público sobre o tema, beneficiários percebem que um sintoma que associavam a comportamento pode ser uma doença”, diz Solange Beatriz Mendes, presidente da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar).”
Ambiente no emprego ficou perverso, diz afetado por síndrome
A severa crise enfrentada pelo Brasil nos últimos anos é apontada por médicos, profissionais afetados por essas doenças, representantes do governo e dos planos de saúde como uma das causas do aumento de transtornos mentais.
“Atendemos um número crescente de pessoas que se sentem pressionadas. Por medo de perder o trabalho, acumularam funções”, diz a psicóloga Mariângela Savoia, do ambulatório de ansiedade do Hospital das Clínicas, da USP.
O consultor Reynaldo Saad diz que a recessão contribuiu para que ele tivesse uma reação grave ao estresse —a chamada síndrome de burnout.
“Com a crise, as metas no trabalho se tornaram mais agressivas. Isso aumentou a pressão. Acho que a ansiedade no país como um todo também contribuiu para quadros como o meu”, afirma ele, que começou a sentir os sintomas da doença há quatro anos.
“A gente sai na rua e ouve gente reclamando. No escritório também. O ambiente ficou perverso”, diz. À pressão no trabalho —com jornadas de 14 a 15 horas— ele afirma que se somaram problemas pessoais, como uma separação.
A recessão também contribuiu para o quadro depressivo desenvolvido pelo empresário N.F., que pediu anonimato. A crise tornou impossível o cumprimento da meta de retorno em três anos de um empreendimento imobiliário da família cujo comando ele assumiu em Minas Gerais.
“Com a crise, os negócios diminuíram. Todo o mundo virou concorrente de todo o mundo. Nada saiu conforme nosso planejamento”, diz N.F, que hoje tem uma clínica especializada em medicina alternativa em São Paulo.
N.F. e Saad relatam que a dificuldade de lidar com os sintomas iniciais, antes do diagnóstico, os levaram ao abuso no consumo de álcool, o que acentuou o problema.
O excesso de exposição às novas mídias digitais também é citado como fonte de aumento dos transtornos mentais.
“Houve uma explosão de empresas nos pedindo assistência por causa do adoecimento mental de seus funcionários. Isso está muito relacionado à conexão remota ao trabalho”, diz a advogada Letícia Ribeiro, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe.
Entre os casos que ela acompanhou estão o de um executivo que entrou em licença por causa de um colapso psicológico e o de uma empresa que suspendeu um desligamento após o funcionário ser diagnosticado com transtorno de ansiedade na demissão.
Até 2012, os episódios depressivos lideravam as concessões de auxílio-doença acidentário
concedidos pelo INSS por doenças mentais e comportamentais. Em 2013, os afastamentos por reação ao estresse grave e transtornos de adaptação tomaram a dianteira. E, em 2017, a depressão foi ultrapassada pela ansiedade.
Benedito Brunca, subsecretário-geral de Previdência, afirma que, além de associada à crise e ao estresse causado pela tecnologia, a mudança de perfil das doenças é fruto de diagnósticos mais precisos.
Segundo ele, isso é consequência do esforço das empresas para a prevenção de doenças desde que a legislação passou, em 2009, a punir os empregadores com número de doenças do trabalho acima da média do seu setor.
A multiplicidade de sintomas envolvidos nos quadros de transtornos mentais é um dos fatores que podem atrasar o diagnóstico, levando, no meiotempo, à piora do paciente.
A dermatologista Inaê Cavalcanti Machado diz que tem identificado casos de síndrome de burnout em pacientes que a procuram para tratar queda de cabelo ou manchas na pele. “O burnout é uma síndrome que envolve a exaustão e a dificuldade em perceber a realidade e enxergar as pessoas ao redor”, diz Machado.
Segundo ela, é importante que os médicos estejam atentos aos sinais que podem denotar distúrbios psicológicos.
‘É quando ninguém está olhando que a pessoa pula da janela’
“As pessoas acham que nunca vai acontecer com elas, mas acontece. E aí você precisa procurar ajuda, que te olhem, que conversem com você, porque é quando ninguém está olhando que a pessoa pula da janela.”
O depoimento é da dentista Bárbara Moreira Mendonça, 45, que nunca pensou que poderia ser vítima de depressão. Mas isso acabou ocorrendo após seu marido sofrer um acidente vascular cerebral há um ano e meio.
“No início fui forte, parei de trabalhar, cuidei dele, amparei nossos dois filhos.”
Mas, quando o marido começou a se recuperar, Bárbara se deu conta de que estava em depressão. Além de ajuda médica, ela tem se recuperado com o apoio da família e exercícios físicos.
A doméstica Maria Verônica Ferreira, 58, tem uma história parecida. Segundo ela, a atividade física intensa e o suporte familiar lhe tiraram de uma depressão profunda há dez anos. “Comecei a correr e meu corpo parecia liberar uma coisa ruim. Quando terminava, me sentia muito melhor.”