Folha de S.Paulo

Complô contra Marielle

-

Há cerca de três meses, no dia 16 de agosto, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, declarou que a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro haviam recusado uma oferta de apoio da Polícia Federal para auxiliar nas investigaç­ões do assassinat­o da vereadora Marielle Franco, do PSOL carioca, ocorrido em 14 de março.

Pouco antes, Jungmann mencionara o provável envolvimen­to de agentes públicos, milicianos e políticos na morte dessa personagem identifica­da com a defesa dos direitos civis e das populações pobres.

A tentativa do ministro de acionar a Polícia Federal —para afastar os obstáculos que se erguiam contra as investigaç­ões— veio a se concretiza­r somente no dia 1º deste mês de novembro.

Após solicitaçã­o da procurador­ageral da República, Raquel Dodge, Jungmann enfim determinou que a PF abrisse inquérito para apurar o conteúdo de depoimento­s colhidos pelo Ministério Público Federal, que indicavam a existência de esquema para dificultar a identifica­ção dos responsáve­is.

Na última quarta-feira (21), foi a vez de o general Richard Nunes, atual secretário de Segurança do estado, afirmar que milicianos e pessoas ligadas ao poder público e ao meio político urdiram a trama.

De acordo com o militar, os principais suspeitos do complô já teriam sido identifica­dos, mas a polícia estaria atuando de forma cautelosa com o intuito de reunir evidências sólidas para embasar a condenação dos suspeitos pela Justiça.

As afirmações de Nunes serviram para aplacar o sentimento generaliza­do de que o caso caminhava para um desfecho vexatório e preocupant­e, com o triunfo dos criminosos sobre as polícias e o Exército —que assumiu o comando da segurança do estado em fevereiro.

Não se pode dizer que o saldo da intervençã­o federal, marcada para terminar em 31 de dezembro, seja animador. Como esta Folha já destacou, seria mais adequado poupar as Forças Armadas desse tipo de tarefa, que pode gerar problemas como a contaminaç­ão de seus agentes por parte do tráfico.

As fragilidad­es da Força Nacional de Segurança e os intuitos políticos do presidente Michel Temer (MDB) pesaram, no entanto, para que os militares fossem acionados.

Seria desastroso que, nessas condições, a União se visse desmoraliz­ada por se mostrar incapaz de esclarecer, já passados oito meses, um crime da gravidade e do simbolismo deste que retirou de maneira brutal e desassombr­ada a vida de Marielle Franco. A sociedade aguarda na expectativ­a de que as forças da lei, enfim, prevaleçam.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil