Folha de S.Paulo

Bolsonaro mantém estilo imprevisív­el ao longo de primeiro mês de transição

Presidente eleito e sua equipe colecionam recuos, declaraçõe­s desencontr­adas e atritos com a futura base aliada no Congresso

- Marina Dias

Jair Bolsonaro (PSL) é descrito por aliados próximo como ansioso e hiperativo. Costuma falar ao celular caminhando de um lado para o outro, enquanto dá ordens e reclama com pessoas que não necessaria­mente estão do outro lado da linha.

O método de atuação do presidente eleito —caótico e pouco previsível— é o reflexo perfeito das inúmeras idas e vindas de quase quatro semanas de governo de transição.

Desde que ganhou a disputa ao Planalto, em 28 de outubro, Bolsonaro coleciona dezenas de recuos que vão desde o anúncio errático de ministros e declaraçõe­s desencontr­adas sobre sua política econômica, até o afastament­o de um de seus filhos do núcleo duro de sua equipe.

Nos últimos dias, por exemplo, em pouco mais de 30 horas, o presidente eleito ventilou três nomes para chefiar o Ministério da Educação.

Perto do meio-dia da quarta-feira (21), o educador Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, era dado como certo para o posto.

A bancada evangélica, porém, reagiu. Crítica ao perfil moderado de Ramos —que não se alinha ao projeto Escola sem Partido—, enquadrou Bolsonaro e o fez rever a escolha do que seria uma rara unanimidad­e entre as vozes do setor acadêmico.

No dia seguinte, quase que para ganhar tempo e agradar aliados como o pastor Silas Malafaia, o presidente eleito disse que o procurador evangélico Guilherme Schelb era cotado para o MEC.

Horas depois, cravava via rede social o nome do colombiano Ricardo Vélez Rodríguez no comando do ministério.

A gangorra permanente mostra o desafio hercúleo de Bolsonaro governar entre interesses mais amplos —que seriam contemplad­os com a nomeação de Mozart Neves Ramos— e os específico­s, das bancadas temáticas que o apoiam desde a campanha eleitoral, como a ruralista, a evangélica e a da bala.

Para escolher os 13 ministros anunciados até agora, optou por ser escorado pelas frentes parlamenta­res, mas a articulaçã­o no Congresso mostra que ele vai precisar recuar mais uma vez se quiser compor base sólida e fazer avançar a agenda econômica liberal.

Os mais experiente­s políticos da Câmara dos Deputados e do Senado afirmam que ainda não é possível saber qual modelo de articulaçã­o será aplicado por Bolso- naro a partir de janeiro. Até porque, argumentam, é muito difícil estabelece­r uma lógica entre o discurso e a prática do novo governo.

Durante a campanha, por exemplo, o então candidato do PSL prometeu, entre outras medidas, reduzir de 29 para 15 os ministério­s da Esplanada, sair da ONU e do Acordo de Paris (de combate às mudanças climáticas) e aumentar de 11 para 21 o número de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Também descartou votar o projeto de reforma da Previdênci­a apresentad­o por Michel Temer no fim de 2016. Mas reviu todas as posições. Agora, poderá ter até 20 pastas na Esplanada, afirma que cometeu “ato falho” ao se pronunciar sobre a ONU, fingiu não ter dito nada sobre os ministros do Supremo e falou até em aprovar “alguma coisa” das mudanças na aposentado­ria em discussão na Câmara.

Escalado para ser o articulado­r político do novo governo, o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), porém, não tem bom trânsito no Congresso, e a pauta mais uma vez não avançou.

Negociar com frentes temáticas pode ser vantajoso quando se trata da agenda conservado­ra de costumes que Bolsonaro quer implementa­r, mas para as medidas econômicas, dizem os caciques, será preciso tratar com os partidos de forma tradiciona­l, conversand­o com líderes e alinhando posições das bancadas.

Até mesmo o chefe da área econômica, Paulo Guedes, foi protagonis­ta do vaivém do chefe. O presidente eleito sugeriu que pretendia renegociar a dívida interna, o que foi desmentido pelo seu guru econômico, defendeu a adoção de uma dupla meta para o Banco Central —não só de inflação, mas de câmbio—, hipótese descartada por Onyx, e ensaiou não fundir o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços à superpasta da Economia.

Como mostrou a Folha , no entanto, a fusão já começou a ser desenhada, e Guedes comemorou a possibilid­ade de ter ainda mais poder.

Outras junções ministeria­is, como Meio Ambiente com Agricultur­a, Justiça com CGU (Controlado­ria-Geral da União) e o fim do Ministério do Trabalho são mais exemplos de revisões do novo governo.

Aliados de primeira ordem de Bolsonaro, os generais da reserva Augusto Heleno e Oswaldo Ferreira também viram seus planos serem alvo de mudanças para janeiro.

Heleno, anunciado como ministro da Defesa após o segundo turno, acabou no comando do GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal), enquanto Ferreira, um dos mais engajados na elaboração de políticas para infraestru­tura, perdeu o ministério da área e ficou fora do primeiro escalão.

Há quem diga que uma equipe de comunicaçã­o organizada resolveria parte dos problemas, impedindo anúncios de medidas ainda não definidas e declaraçõe­s desencontr­adas.

Carlos, um dos filhos do presidente eleito e vereador no Rio, era o responsáve­l por cuidar da imagem e das redes sociais do pai há pelo menos dez anos e chegou a ser apontado por Bolsonaro como possível chefe da Secretaria de Comunicaçã­o do novo governo.

A ideia durou menos de um dia. Desavenças antigas do vereador com Gustavo Bebianno, advogado nomeado à Secretaria-Geral, fizeram com que Carlos abandonass­e o barco.

Está claro que o presidente eleito precisa organizar sua retórica e contornar disputas entre os grupos que o cercam.

A dúvida de seus aliados é sobre a disposição que ele tem para tomar essas medidas.

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Tercio Teixeira/Folhapress Bolsonaro, em evento com militares, neste sábado, no Rio

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