Folha de S.Paulo

Eleito põe presidenci­alismo de coalizão à prova

Bolsonaro se arrisca ao subverter modelo na escolha de ministros e na negociação com bancadas, dizem pesquisado­res

- Joelmir Tavares Colaborou Walter Porto

são paulo A possibilid­ade de Jair Bolsonaro (PSL) estabelece­r uma relação diferente com os partidos de sua base de apoio, desafiando o modelo de coalizão vigente, já ouriçou o Congresso e deixou pesquisado­res da política no Brasil com olhos e ouvidos atentos.

As mudanças em curso pelo presidente eleito incluem a indicação de ministros sem ligação com legendas e a anunciada vontade de negociar votações na Câmara com as bancadas temáticas em vez de passar pelos líderes das siglas.

“Negociar não é feio. Desde que estejam em jogo políticas públicas, numa discussão legítima, honesta. Feio é negociar falcatrua”, diz o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches,quecunhoue­mum artigo de 1988 a expressão presidenci­alismo de coalizão para descrever a forma como presidente­s no país obtêm maioria para passar as propostas.

Nos governos pós-redemocrat­ização, a formação ministeria­l e a relação com os parlamenta­res se solidifico­u na lógica de troca de cargos e de verbas, estilo que Bolsonaro diz ter a intenção de abolir.

Formar alianças, dizem cientistas políticos, não é o problema —é até indispensá­vel, já que nenhum presidente teria maioria no Legislativ­o se contasse só com seu partido.

A questão é que negociar para governar virou sinônimo de cooptação, afirma Abranches. “Esse ciclo político se esgotou. O eleitor não aceita mais isso.”

Bolsonaro propõe, desde a campanha à Presidênci­a, uma quebra de paradigma. Na escolha dos ministros, diz priorizar a capacidade técnica, como quando chamou Sergio Moro, sem filiação partidária, para a pasta da Justiça.

Em outros casos, buscou palpites de bancadas temáticas. Dos parlamenta­res do agronegóci­o veio a sugestão de Tereza Cristina (MS) para a Agricultur­a. Dos deputados ligados à saúde saiu o nome do futuro titular do ministério da área, Luiz Henrique Mandetta (MS).

Ambos são do DEM, mas o futuro presidente diz se tratar de uma coincidênc­ia, e não de uma bênção ao partido do próximo titular da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEMRS), aliado fiel na campanha e um dos homens fortes na composição do novo governo.

Para Abranches, a fórmula que o presidente tenta implementa­r está em consonânci­a com a onda de rejeição dos eleitores à política sustentada por conchavos e barganhas.

Já o plano de também recorrer às bancadas na hora de negociar a aprovação de projetos é controvers­o. Na avaliação do analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentaç­ão do Diap (Departamen­to Intersindi­cal de Assessoria Parlamenta­r), isso colocará o novo presidente em conflito com a Câmara.

“Ele pode formar o governo com esse padrão, mas não governa com esse padrão. No Parlamento tudo gira em torno das legendas, e os líderes não vão deixar que o presidente passe por cima dos partidos e utilize as suas bancadas para aprovar os projetos dele”, diz Queiroz, que acompanha o Congresso há 35 anos.

Lideranças de frentes parlamenta­res vêm manifestan­do insatisfaç­ão com o novo modelo. Afirmam que a estratégia é equivocada e reivindica­m uma abertura de diálogo.

“Esse discurso de hostilizar partidos pode funcionar durante a campanha. Mas agora não tem a menor condição, senão virá uma retaliação muito grande”, diz o diretor do Diap.

A cientista política Maria Herminia Tavares de Almeida se mostra menos cética. “Nunca aconteceu, mas não sei se é inviável. O fato de nunca ter ocorrido não quer dizer que nunca poderia ser feito.”

Para a pesquisado­ra do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to), porém, a dificuldad­e é evidente, já que “o que funcionou no passado foram maiorias construída­s a partir da negociação com lideranças partidária­s”.

As bancadas evangélica, ruralista e da bala, afirma ela, “têm uma agenda em cima de um assunto específico. Quando o assunto é outro, não está dado que elas votem disciplina­damente e em unidade”.

Maria Herminia relativiza também a pecha negativa que a discussão sobre o presidenci­alismo de coalizão suscita no Brasil. “A participaç­ão no governo ocorre em qualquer lugar do mundo. Os partidos que ganharam a eleição vão para os ministério­s, simples assim. O problema é que aqui existem muitos partidos, aí a negociação fica complicada.”

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