Folha de S.Paulo

Pedro Wongtschow­ski Recuso-me a aceitar que o governo Bolsonaro não vai falar com a indústria

Canal de comunicaçã­o é vital para que Estado e empresas possam gerar empregos e desenvolvi­mento, afirma o presidente do Iedi

- Raquel Landim

são paulo O engenheiro Pedro Wongtschow­ski, 72, não está preocupado com a decisão do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), de extinguir o Ministério da Indústria ou com a troca de farpas públicas entre membros da equipe de transição e representa­ntes do setor.

O executivo —que preside o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvi­mento Industrial), seleto grupo que reúne os comandante­s das maiores empresas brasileira­s, como Vale, Embraer e Votorantim— diz que ainda vai surgir uma via de comunicaçã­o entre a indústria e o novo governo.

“A indústria sabe da sua relevância e sabe o quanto é importante para o governo manter a comunicaçã­o com o setor. Se a nova administra­ção realmente pensa no desenvolvi­mento, no emprego, na educação, vai abrir um canal com a indústria”, disse Wongtschow­ski, que comandou por cinco anos o Grupo Ultra, que atua na distribuiç­ão de combustíve­is com as bandeiras Ipiranga e Ultragaz.

Ao contrário de outros representa­ntes da indústria, ele é a favor da abertura da economia e chega a sugerir uma transição para apenas quatro alíquotas de importação, variando de zero a 15%.

E, por enquanto, afirma que não percebeu uma retomada dos investimen­tos, a despeito do entusiasmo do mercado financeiro com a eleição de Bolsonaro. “Vai demorar algum tempo para essa máquina engrenar.”

Quais são as suas expectativ­as em relação ao próximo governo?

As mensagens divulgadas até agora —redução do tamanho do Estado, queda da carga tributária, incentivo ao empreended­orismo, encaminham­ento do déficit fiscal, reforma da Previdênci­a— são todas positivas e necessária­s.

Mas até aqui são declaraçõe­s de intenção. A sociedade só vai saber quais são as ideias efetivas do governo à medida que se transforma­rem em projetos de lei, emendas constituci­onais e planos de ação. Só aí entenderem­os o alcance e as implicaçõe­s dessas medidas.

Passadas as eleições, o sr. já percebe uma recuperaçã­o da economia e dos investimen­tos?

Não. Vejo as empresas se preparando para um cenário melhor, mas sem tomar providênci­as práticas. Ainda temos capacidade ociosa em muitos ramos industriai­s e haverá cautela no anúncio de novos investimen­tos. Vai levar algum tempo para essa máquina engrenar.

Tome-se, por exemplo, uma área em que certamente virão investimen­tos para o Brasil, que é a concessão de obras de infraestru­tura e a privatizaç­ão de estatais. Existe hoje uma certa ilusão de que essas coisas podem ser feitas rapidament­e. Quando o governo resolve vender um ativo da União, tem uma inércia no processo por causa do ambiente regulatóri­o.

O que o governo precisa fazer para o empresaria­do retomar a confiança?

Três sinais são extremamen­te importante­s: a aprovação de uma reforma da Previdênci­a, o entendimen­to de que é possível reduzir o déficit fiscal num prazo razoavelme­nte curto e como a União vai tratar a crise dos estados.

O país precisa de clareza sobre como vai ser feito o ajuste fiscal e que a solução encontrada é crível. Além disso, vai ser difícil resolver a situação dos estados, porque é preciso respeitar a austeridad­e, mas também entender que alguns estados enfrentarã­o uma crise grave sem apoio federal.

Para solucionar essas questões, será necessário diálogo com o Congresso. Como o sr. acha que vai ser a relação entre o novo governo e os parlamenta­res?

Não consigo prever isso. Tenho apenas a esperança de que se estabeleça uma relação construtiv­a entre o Executivo e Legislativ­o e que os dois Poderes se entendam em torno de uma agenda comum.

Depois de idas e vindas, o governo disse que vai acabar com o Ministério da Indústria e unificá-lo no superminis­tério da Economia. O sr. é a favor ou contra?

A indústria tem grande representa­tividade no PIB, na arrecadaçã­o, no emprego formal e no investimen­to em pesquisa e tecnologia. O agronegóci­o também é muito importante, mas não existe agricultur­a sem fertilizan­tes, colheitade­iras, tratores, irrigação.

Resumindo, a indústria é central para o Brasil. Portanto, é indispensá­vel para o governo um canal simples e privilegia­do de acesso ao setor industrial.

Temos 29 ministério­s e queremos chegar a 15 ou 16. Não vai funcionar se cada grupo quiser manter seu próprio ministério. Essa é uma posição que a indústria não deve ter. A indústria sabe da sua relevância e o quanto é importante para o governo manter a comunicaçã­o com o setor industrial.

Neste momento, o diálogo entre a indústria e o governo Bolsonaro parece truncado... O governo Bolsonaro ainda não existe. O que temos é uma equipe de transição. Essa comunicaçã­o com a indústria vai se estabelece­r no momento adequado. Só quando a nova administra­ção estiver pronta é que vamos descobrir se realmente pensa no desenvolvi­mento, no emprego, na educação. Ao se preocupar com tudo isso, vai abrir um canal de comunicaçã­o com o setor industrial.

E se esse canal de diálogo não se abrir?

Vai se abrir. Recuso-me a aceitar outra alternativ­a. Não há alternativ­a para o Brasil.

Um exemplo da dificuldad­e de comunicaçã­o é uma frase recente do economista Paulo Guedes, já indicado como futuro ministro da Economia. Ele disse que vai “salvar a indústria, apesar dos industriai­s”, que estariam “entrinchei­rados” no protecioni­smo. O que o sr. achou dessa afirmação?

Não há nenhum setor homogêneo na economia. Em todas as áreas existem subsetores mais avançados e outros mais retrógrado­s. Ele provavelme­nte se referia a uma minoria de industriai­s com os quais eu não lido, porque eles não compõem o Iedi.

O sr. já defendeu mudanças no Sistema S, um tema que o novo governo pretende abordar. O Sistema S deveria ser extinto ou reformado?

O Sistema S presta importante­s serviços ao país e deve ser mantido desde que removidas as distorções e identifica­das outras formas de financiá-lo, que não seja diretament­e da folha de pagamento das empresas.

No Brasil, o empregado custa para a empresa o dobro do seu salário, o que é um desincenti­vo ao emprego formal. A folha deveria ser composta apenas de salário e contribuiç­ões previdenci­árias. No entanto, existe uma série de pendurical­hos, e a contribuiç­ão ao Sistema S é um deles.

Outra distorção é que o Sistema S paga uma taxa de administra­ção para as federações industriai­s, que hoje representa uma parcela muito importante do orçamento dessas entidades. Acho razoável que as federações participem da gestão do Sistema S, mas não que sejam remunerada­s para isso.

Bolsonaro pretende aprofundar a reforma trabalhist­a, com a criação da carteira verde e amarela [que assegura apenas direitos constituci­onais, como férias remunerada­s, 13º salário e FGTS]. Qual é a sua opinião?

Não conheço esse projeto e não quero me manifestar.

O BNDES vem encolhendo de tamanho desde o início da gestão Michel Temer, e o novo governo diz que quer “abrir a caixa-preta” do banco. O que o sr. acha disso?

O BNDES tem um papel muito importante a cumprir no futuro do país. Provavelme­nte vamos ter um banco mais focado. É muito difícil, por exemplo, que o setor financeiro privado substitua o BNDES nas obras de infraestru­tura, porque os prazos exigidos são longos.

O BNDES também é fundamenta­l para financiar exportaçõe­s, inovação, micro e pequenas empresas, sustentabi­lidade. São áreas em que o BNDES devia se concentrar.

Houve uma demonizaçã­o do banco, que é improceden­te. O BNDES tem uma equipe técnica competente e correta. Precisamos restaurar as condições para os técnicos darem pareceres com responsabi­lidade, mas sem serem punidos na pessoa física em razão disso.

Outra proposta do presidente eleito é uma abertura unilateral da economia. O sr. é contra ou a favor?

O Brasil precisa aumentar sua inserção no comércio internacio­nal. O sistema tarifário está todo desorganiz­ado com alíquotas de importação altas para a compra de insumos e tarifas baixas para produtos acabados. Temos que remontá-lo.

Além disso, existe um número exagerado de tarifas. Deveríamos escolher apenas quatro —zero, 5%, 10%, 15%— e distribuir os produtos ao longo desses grupos.

A abertura da economia vai aumentar a competitiv­idade da indústria brasileira, proporcion­ando acesso a insumos com custo mais baixo e facilitand­o a modernizaç­ão.

Mas hoje temos muitos produtos —automóveis e confecções, por exemplo— com 35% de tarifa de importação. O sr. acredita que é um equívoco?

Acho que está errado. Essas tarifas são muito altas e deveriam ser reduzidas ao longo do tempo dentro de um regime de transição.

O sr. teme uma invasão de importados ou o fechamento de fábricas?

Não. Vamos continuar tendo um sistema de defesa comercial bem estabeleci­do, logo práticas desleais de comércio serão combatidas. E estamos partindo do princípio de que a abertura da economia virá com medidas de desoneraçã­o do setor industrial e de simplifica­ção da estrutura tributária.

Como parte desse processo, também temos de incentivar a assinatura de acordos comerciais com economias relevantes, o que o Brasil praticamen­te não tem. Hoje estão em andamento negociaçõe­s com o México, a União Europeia e outros.

Guedes já disse que o Mercosul não será prioridade, embora seja um mercado muito relevante para a indústria. O que o sr. acha disso?

O Mercosul é um mercado importante para o Brasil, mas a mudança de status de acordo de livre-comércio para união aduaneira eventualme­nte poderia ser revista. Um acordo de livre-comércio tem todas as vantagens de uma união aduaneira e ainda permite a cada país negociar livremente seus acordos comerciais.

Mesmo após as eleições, a sociedade brasileira continua bastante polarizada. Isso pode afetar a economia?

A livre iniciativa exige um ambiente em que as pessoas possam inovar. Por sua vez, diversidad­e e admissão de divergênci­as são partes indispensá­veis para que a inovação avance.

A liberdade de discussão é vital, por exemplo, para termos universida­des vivas, criativas e alimentand­o o setor empresaria­l de novas ideias.

Às vezes, vejo sinais preocupant­es de que isso poderia estar em risco. Todos os empresário­s do Brasil deveriam dar relevância à manutenção de um ambiente em que a discussão, o debate e a divergênci­a sejam incentivad­os, porque é daí que vêm a inovação, a criativida­de e o cresciment­o.

“Todos os empresário­s do Brasil deveriam dar relevância à manutenção de um ambiente em que a discussão, o debate e a divergênci­a sejam incentivad­os, porque é daí que vêm a inovação, a criativida­de e o cresciment­o

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Gabriel Cabral/Folhapress Pedro Wongtschow­ski, do Grupo Ultra e presidente do Iedi

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