Folha de S.Paulo

Nossa grande depressão

É trágico, mas, dada a nossa trajetória até 2014, não havia muito a ser feito

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

A crise que se iniciou no segundo trimestre de 2014 é a maior perda de PIB, a segunda maior de PIB per capita e a mais longa desde 1900.

A queda de termos de troca foi pequena, 11% para uma janela de quatro anos de 2015 até 2018 ante os quatro anos anteriores, e o nível dos termos de troca encontra-se relativame­nte elevado, 46% acima do que se seguiu à crise da dívida externa nos anos 1980. Adicionalm­ente esse tem sido um período de juros internacio­nais anormalmen­te baixos.

Nossa depressão é resultado do esgotament­o de duas dinâmicas —contrato social da redemocrat­ização e intervenci­onismo petista vigente entre 2006 e 2014—, agravado por situação cíclica muito desfavoráv­el.

Entre 1995 e 2017, o salário mínimo real cresceu 165%, e o gasto primário da União subiu de 11% do PIB para 20%. Adicionalm­ente, a conta da Previdênci­a atingiu 14% do PIB, superior às economias europeias demografic­amente maduras. Esse equilíbrio gerou permanente­mente juros reais elevados e inflação pressionad­a.

O contrato social passou a gerar problemas maiores a partir de 2011, quando a velocidade de cresciment­o da receita tornou-se normal, isto é, passou a acompanhar o cresciment­o da economia, e não a superálo sistematic­amente, como fora o padrão anterior por um período razoavelme­nte longo.

No primeiro mandato de Dilma, essa dissintoni­a entre receita e despesa foi resolvida com quatro expediente­s transitóri­os que empurraram e agravaram os problemas em 2015: seguidos planos de refinancia­mento de dívidas, distribuiç­ão excessiva de dividendos de estatais, antecipaçã­o de dividendos e pedaladas fiscais.

Adicionalm­ente, para esconder os problemas dos estados, entre 2012 e 2014, o Tesouro liberou mais de R$ 100 bilhões em avais da União à contração de dívida pelos estados.

A partir de outubro de 2013, a perspectiv­a de insolvênci­a do Estado brasileiro passou a pressionar os prêmios de risco e contribuiu para que o investimen­to iniciasse sua queda já no quarto trimestre de 2013. Até hoje o problema fiscal trava a recuperaçã­o do investimen­to.

A segunda dinâmica que resultou em nossa depressão foi o esgotament­o de um longo ciclo de investimen­to liderado pelo setor público —subsídios dos BNDES, Tesouro e estatais—, que gerou forte endividame­nto com sobreinves­timento de diversos setores: toda a cadeia de petróleo e gás, indústria naval, setor sucroalcoo­leiro, automobilí­stico e construção civil. Os investimen­tos, mal concebidos e mal executados, resultaram em prejuízos.

Em consequênc­ia, o investimen­to desses setores foi reduzido pesadament­e, agravando, portanto, a depressão.

Além das causas estruturai­s, a depressão foi agravada pela posição cíclica que tínhamos em 2014. A taxa natural de desemprego —a que mantém os salários crescendo no mesmo ritmo da produtivid­ade do trabalho— é no Brasil entre 8,5% e 9,5%. Entramos na crise com hiperempre­go de uns dois ou três pontos percentuai­s. Demorou muito tempo para que a recessão começasse a ter seus efeitos desinflaci­onários.

Adicionalm­ente, havia atraso das tarifas públicas de 20%, que adicionou quatro pontos percentuai­s na inflação de um ano; e atraso cambial de uns 40%, o que adicionou uns dois pontos percentuai­s na inflação de um ano.

O enorme déficit externo de 4,5% do PIB em 2014 e o atraso tarifário contribuír­am para manter a inflação artificial­mente contida em 6,5% ao ano em 2014.

É trágico, mas, dada a nossa trajetória até 2014, não havia muito a ser feito. A crise resulta de medidas tomadas antes de 2015.

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