Folha de S.Paulo

‘Esquecido’ há 4 décadas, viaduto que cedeu na marginal não tem nem nome

Elevado inaugurado em 1978 nunca recebeu nenhum tipo de obra de manutenção da prefeitura

- Mariana Zylberkan

Até a madrugada em que parte de sua estrutura cedeu, e provocou interdiçõe­s na segunda via mais movimentad­a de São Paulo, o viaduto na marginal Pinheiros estava invisível. Ao menos diante dos órgãos da prefeitura responsáve­is por sua manutenção.

O elevado que fica a 500 metros da ponte do Jaguaré, na zona oeste, e liga a pista expressa da marginal à rodovia Castello Branco tinha acabado de completar 40 anos sem obras de manutenção quando se tornou mais uma ameaça ao trânsito.

Sem nem um nome oficial, a estrutura não recebeu nenhum tipo de melhoria durante a atual gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB).

Ao que tudo indica, nem nas administra­ções anteriores já que a prefeitura não sabe dizer quando foi realizada a última visita técnica no local. “Estamos dando uma olhada nessas informaçõe­s, estamos apurando”, disse o secretário de Obras, Vitor Aly.

A pasta informou que realizou uma vistoria no viaduto há três meses, mas de forma visual, e que não encontrou problemas na estrutura. As causas do acidente ainda não foram esclarecid­as pela gestão, que também não deu um prazo para a conclusão das obras e liberação do fluxo na via.

Inaugurado em outubro de 1978, o viaduto teve o projeto e a construção licitados pelo órgão estadual DER (Departamen­to de Estradas de Rodagem). Os baixos do viaduto ficam em terreno que pertence à CPTM (Companhia de Trens Metropolit­anos), mas originalme­nte era da Fepasa (empresa que administra­va as ferrovias do estado).

A CPTM, por sua vez, nega responsabi­lidade sobre o viaduto porque herdou da Fepasa apenas as linhas férreas, e não o mobiliário viário. O DER afirma que a manutenção e vistoria de pontes e viadutos são solicitada­s e feitas pelas administra­ções municipais.

A localizaçã­o do viaduto também não ajuda. Está bem na divisa entre os território­s das subprefeit­uras de Pinheiros e da Lapa. As gestões regionais da cidade são incumbidas de solicitar vistoria em pontes e viadutos que apresentam avarias. A indefiniçã­o de qual subprefeit­ura deveria ter feito isso agrava ainda mais o abandono da estrutura. “Não me cabe agora perguntar de quem é esse viaduto”, disse o secretário Aly.

O trecho “sem denominaçã­o”, conforme está catalogado em mapa oficial da prefeitura, não apareceu nem na lista de cerca de cem pontes e viadutos que deveriam ter sido vistoriado­s por uma empresa de engenharia contratada pela prefeitura em 2012.

Esse contrato foi uma resposta da prefeitura às cobranças feitas pelo Ministério Público em relação a reformas de pontes e viadutos e que completam mais de uma década. Em 2007, a administra­ção municipal se compromete­u a criar um programa de manutenção dos viários mas, como a execução não foi completa, a gestão Covas tenta agora reverter na Justiça multa de R$ 34 milhões.

A maior prova, porém, do limbo administra­tivo a que o elevado foi submetido por décadas é a dificuldad­e do DER em encontrar seu projeto original, necessário para poupar trabalho de recálculos de engenharia e encurtar o processo de recuperaçã­o. Funcionári­os têm vasculhado arquivos em busca de documentos, que não estão digitaliza­dos e mal catalogado­s, dada a demora em localiza-lo.

Diante da falta de um nome oficial, agentes públicos usam a imaginação na hora de nomear o viaduto em registros oficiais, como notificaçõ­es de multa de trânsito, por exemplo. Há vezes em que ele aparece como viaduto Fepasa, ponte da Nova Fepasa e até viaduto do Cadeião, por sua proximidad­e com o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros.

O Cadeião também aparece como nome de um outro viaduto localizado a poucos metros do que cedeu o que agrava ainda mais a confusão viária.

Mais uma denominaçã­o foi criada pela prefeitura para publicar no Diário Oficial desta quinta-feira (22) o contrato emergencia­l para as obras de recuperaçã­o. No documento, a estrutura é chamada de “Viaduto sobre a CPTM”.

As referência à antiga Fepasa é porque o viaduto foi pensado para encurtar o caminho para acessar a rodovia Castello Branco pela via expressa da marginal. Antes de sua construção, era preciso pegar a avenida Mofarrej, na Vila Leopoldina, para contornar a linha do trem.

O engenheiro Roberto de Abreu Camargo, 70, um dos responsáve­is pela execução da obra, trabalhava para a Fepasa em 1978. À Folha, ele disse que, como os projetos eram feitos em papel, ainda sem a ajuda de computador­es, o material era descartado quando a obra era finalizada. “Depois de 40 anos, acho que não tem mais”, disse o engenheiro, que tem ajudado a prefeitura na recuperaçã­o do viaduto.

O secretário de Obras localizou também a viúva do engenheiro Walter de Almeida Braga (1930-2016), que projetou a estrutura, em busca de pistas. Ela, porém, contou que se desfez dos arquivos do marido.

No fim de 1978, o viaduto foi entregue cerca de três meses depois da inauguraçã­o oficial do anel viário conhecido como Cebolão, que fica a poucos quilômetro­s.

A data da inauguraçã­o —9 de julho— foi escolhida pelo então governador Paulo Egydio, 90, para combinar com o nome oficial do apelidado Cebolão: Trevo 32, em homenagem aos soldados constituci­onalistas que lutaram no estado contra as tropas do presidente Getúlio Vargas.

O governador não abriu mão da efeméride e inaugurou o Cebolão apesar de alguns acessos ainda pendentes, entre eles o viaduto que cedeu no último dia 15.

O atraso na finalizaçã­o da obra fez com que o trânsito fosse desviado para as ruas que passam atrás da Ceagesp. Para garantir a segurança dos motoristas, foi improvisad­a uma cancela para parar o tráfego quando algum trem passasse na linha férrea, e um guarda ficava sempre a postos para coibir desrespeit­os à sinalizaçã­o.

Reportagem da Folha publicada três dias antes da cerimônia de inauguraçã­o do Cebolão chamava atenção para o estado precário das marginais Tietê e Pinheiros e para a possibilid­ade de não suportarem o aumento de fluxo de veículos previsto. A expectativ­a era que 140 mil carros por dia passassem a trafegar pelas vias após a abertura do Cebolão. Hoje em dia, a marginal Pinheiros recebe 450 mil veículos por dia.

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Zanone Fraissat/Folhapress Obra emergencia­l para estabiliza­r e corrigir o desnível de cerca de 2 metros criado na estrutura ainda não tem prazo para ser concluída

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