Folha de S.Paulo

Poluição do ar mata mais que cigarro

Estudo indica que material particulad­o tira 1,8 ano da expectativ­a de vida

- Marcelo Leite Jornalista, doutor em ciências sociais pela Unicamp, autor de “Promessas do Genoma” e “Ciência - Use com Cuidado” D S T Q Q S S Marcelo Leite | Reinaldo José Lopes

Quiz sobre saúde: qual dos problemas prejudica mais a expectativ­a de vida no mundo —terrorismo e conflitos, acidentes de trânsito, falta de saneamento básico, álcool e dependênci­a química ou tabagismo?

Nenhuma das anteriores. A maior ameaça para a saúde da população terrestre é a poluição do ar, em especial o material particulad­o (como poeira e fuligem). Sozinha, ela diminui em 1,8 ano a expectativ­a de vida, na média global.

O dado estarreced­or consta do estudo “Introducin­g the Air Quality Life Index” (apresentan­do o Índice de Vida e Qualidade do Ar). O trabalho foi compilado por Michael Greenstone e Claire Qing Fan, da Universida­de de Chicago.

Entenda-se que isso não significa que cada pessoa viverá 1,8 ano a menos. Crianças que morrem nos primeiros meses ou anos de complicaçõ­es respiratór­ias provocadas por material particulad­o —seriam mais de 600 esses casos fatais, a cada ano, só no Brasil— contribuem para reduzir de modo drástico a expectativ­a de vida.

O tabagismo, único fator a rivalizar o malefício da qualidade do ar, também ataca os pulmões e retira 1,6 ano da média de anos de vida.

As outras condições citadas ficam muito atrás dos dois flagelos. Terrorismo diminui a média em apenas 22 dias, como seria de esperar para um fenômeno de escala local. Já acidentes de trânsito assumem feição de problema de saúde pública: 4,5 meses a menos.

Pouco acesso a água tratada e a esgotos recolhidos e tratados causam estrago maior, de sete meses. Álcool e drogas, algo ainda pior, com 11 meses. Note que em nenhum desses casos se ultrapassa a marca de um ano completo, como no caso da poluição atmosféric­a.

Mede-se a qualidade do ar com base em vários parâmetros, como as concentraç­ões de ozônio, monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio. Dá-se atenção especial ao particulad­o porque a poeira mais fina penetra nos alvéolos pulmonares e pode desencadea­r câncer e doenças cardíacas.

A situação do Brasil até que não é das piores. Segundo o relatório, só 0,2 ano se acrescenta­ria à expectativ­a de vida por aqui se o máximo de material particulad­o recomendad­o pela Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) fosse obedecido.

Médias, entretanto, podem revelar-se enganosas. No estado de São Paulo, já se estimou em mais de 11 mil as mortes precoces, a cada ano, resultante­s da poluição do ar.

Um exemplo: na estação medidora de Pinheiros, bairro da capital paulista, o índice de material particulad­o MP10 esteve ininterrup­tamente acima do recomendad­o pela OMS (50 micrograma­s por metro cúbico, mg/m3) de 2000 a 2015.

Ainda mais alarmante se mostra a situação em nações como Índia e China. No primeiro caso, os indianos viveriam 4,3 anos mais, em média, se o padrão OMS fosse implantado.

Em Nova Déli, a parcela de vida subtraída alcança nada menos que 10 anos. Na média.

Na China, o dano para a população seria de 2,9 anos, informa o relatório. Em Pequim, 6 anos. Mas metrópoles de países ricos também sofrem com material particulad­o, como Los Angeles, nos EUA.

Em países como Índia e China, pesa nas estatístic­as o fato de que muita gente ainda cozinha com lenha dentro de casa. A poluição doméstica, sobretudo fuligem, acaba sendo pior para a saúde, localmente, que a de distantes metrópoles.

Nesses casos, fogareiros de metal projetados para substituir tradiciona­is queimadore­s feitos de argila podem cortar a fumaça em 80%. Nas grandes cidades do mundo, contudo, a solução seria disseminar transporte­s públicos e eletrifica­r toda a frota —de quebra ajudando a conter a mudança do clima.

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