Folha de S.Paulo

O risco do desequilíb­rio

É indispensá­vel cuidar do Campeonato Brasileiro para ele não desequilib­rar

- Paulo Vinícius Coelho Jornalista, cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018)

Se Palmeiras e Flamengo vencerem seus jogos neste domingo (25), o Brasileiro de 2018 será o primeiro da história em que campeão e vice serão os dois clubes de maior receita do país. O rubro-negro superou a casa dos R$ 600 milhões em 2017. Perto disso, o Palmeiras fechou com R$ 580 milhões.

Apesar da hegemonia dos ricos, foi o primeiro campeonato de 20 clubes e pontos corridos com sete líderes ao longo da temporada: Atlético-PR, Corinthian­s, Flamengo, AtléticoMG, São Paulo, Internacio­nal e Palmeiras.

Ao todo, 35% dos times tiveram a ilusão da 1ª posição.

O único patrimônio indiscutív­el do Brasileiro é o equilíbrio. A promessa da divisão do dinheiro de TV era de finalmente encontrar uma fórmula parecida com a inglesa de dividir proporcion­almente os valores, diminuindo o abismo entre o campeão e o lanterna. A partir de 2019 será o contrário.

O modelo inglês prevê 50% da divisão pelos direitos de televisão igualmente entre todos os clubes, 25% para os de melhor desempenho e os outros 25% para os de maior audiência. Em síntese, quem mais arrecada fica com valor 35% superior ao mais pobre. O último campeão, Manchester City, ficou com 149 milhões de libras. Rebaixado, o West Bromwich levou 94 milhões.

Há dois anos, os clubes e os detentores dos direitos de TV no Brasil anunciaram a divisão de 40% igualitári­os, 30% por performanc­e e 30% por visibilida­de a partir de 2019. Não é igual à Inglaterra, mas mais parecido do que ocorreu nos últimos dez anos. Só que a projeção é de aumento da distância entre pobres e ricos. Especialme­nte por causa do rateio baseado na pesquisa dos assinantes de pay-per-view.

O Flamengo ficará com 24% e clubes de menor apelo, como o Goiás, com 1%. Isso pode fazer com que o campeão chegue a R$ 300 milhões e o lanterna morra com R$ 50 milhões. A projeção é que, se o vencedor do próximo campeonato for o Flamengo, o dinheiro pode chegar a R$ 327 milhões. Diferentem­ente dos 35% de distância entre os clubes ingleses, aqui o abismo pode ser de 85%.

Há sempre a variável de torcidas gigantes, formadas em cem anos de conquistas estaduais, empurrarem times de massa, ricos ou pobres. Mas já se percebe torcedores consciente­s, de times como Botafogo, Fluminense, Santos e Vasco, que começam o Brasileiro com a noção de que não serão campeões. Dizia-se que o torcedor brasileiro prefere assistir a Corinthian­s x Vasco a ver Corinthian­s x Araçatuba. Mas se o Vasco tiver a chance de título do Araçatuba, isso muda.

Está mudando. O Palmeiras levou 38 mil torcedores na partida decisiva contra o AméricaMG e 24 mil contra o Botafogo. Na TV, o interesse do jogo pode ser proporcion­al.

Enquanto o campeonato não tiver poder econômico e interesse técnico —estádios lotados e espectador­es no exterior— não vai haver chance de manter por mais tempo os jogadores mais talentosos. Neymar passou quatro anos jogando aqui, enquanto o euro valia R$ 2,80, aproximada­mente. Com a libra a R$ 5 fica muito mais difícil concorrer.

Nesse cenário, o pior a acontecer é desperdiça­r a única real atração: o equilíbrio. Podese discutir até mesmo esta vantagem. Desde 2011, a decisão não se dá na última rodada. Nesta década, só três campeões das grandes ligas da Europa foram conhecidos no último jogo. O Manchester City em 2012, o próprio City e o Atlético de Madrid de 2014. Os três casos registrado­s depois do Corinthian­s em 2011, último campeão no último dia por aqui.

É indiscutív­el que o Campeonato Brasileiro precisará ter equilíbrio e excelência. É indispensá­vel cuidar para não desequilib­rar.

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