Folha de S.Paulo

Que droga!

Grandes marcas deviam olhar a cocaína e copiar o seu modelo de marketing

- Ricardo Araújo Pereira Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de ‘Boca do Inferno’

Os alunos de marketing deviam parar de estudar a Apple e começar a estudar a cocaína. Sim, a Apple vende muito, mas a cocaína vende ainda mais —e com uma estratégia completame­nte oposta.

A droga não tem um design sedutor, uma marca concebida por especialis­tas, um logotipo memorável. É cara, não está à venda em lojas, faz mal à saúde. Não tem comerciais engraçados protagoniz­ados por celebridad­es. Ainda assim, vende.

Lembra aquele episódio da série “Narcos” em que o Wagner Moura reúne com o departamen­to de marketing do cartel de Medellín?

Claro que não lembra, porque nunca aconteceu. Não precisa. Ninguém perde tempo a desenhar uma embalagem bonita para colocar a droga.

Aliás, nenhum consumidor do produto ignora a embalagem na qual a cocaína atravessa a fronteira: normalment­e, é a bunda do traficante.

Eu tenho uma regra na vida: não consumir nada que já tenha estado na bunda de alguém. Abro uma única exceção para ovos.

O ovo é, aparenteme­nte, a cocaína da natureza. As galinhas traficam-nos usando o mesmo método, igualzinho.

Mas a ideia de consumir produtos que já tenham estado na bunda de colombiano­s que eu não conheço, sinceramen­te, não me fascina. Abro uma única exceção para a Sofia Vergara. De qualquer modo, é um modelo de negócio que tinha tudo para falhar. Trata-se de uma péssima estratégia comercial:

— Tenho comigo o melhor produto que você já provou. Quer comprar?

— Claro. Onde está?

— Na minha bunda. Só um momento.

E, no entanto, é um sucesso. As grandes marcas deviam pôr os olhos na droga e copiar o seu modelo de marketing. Tudo indica que os consumidor­es gostam deste estilo mais puro, sem grandes artifícios publicitár­ios.

Há que operar essa revolução na promoção dos produtos convencion­ais. Dizer claramente ao consumidor: escute, estes nossos iogurtes podem matá-lo. São caros e não temos posto de venda. O governo não quer que a gente lhos venda, e por isso você pode ser preso se os adquirir.

Ah, é verdade: têm de ser consumidos pelas narinas. Mas estão fresquinho­s porque o nosso CEO acabou de introduzi-los pessoalmen­te no país dentro da sua própria bunda.

Compre já.

 ?? Luiza Pannunzio ??
Luiza Pannunzio

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil