Folha de S.Paulo

Novos edifícios mantêm casas históricas no quintal

- Mariana Janjácomo

Na esquina da alameda Santos com a rua Padre João Manuel, uma das mais movimentad­as no entorno da avenida Paulista, um casarão de 1911 divide o terreno com uma torre comercial de 17 andares revestidos por vidros laminados.

A casa pertenceu a Francisco de Paula Vicente de Azevedo, filho do Barão de Bocaina (1856-1938), banqueiro e fazendeiro paulista.

O imóvel foi tombado em 2012, logo após o terreno de mais de 2.150 metros quadrados ser adquirido pela incorporad­ora Stan.

“O foco era construir o edifício comercial, mas vimos com bons olhos a chance de restaurar a casa e dar um novo uso para o lugar”, diz André Neuding Filho, sócio-diretor da construtor­a.

O projeto começou com pesquisas para determinar quais caracterís­ticas do imóvel datavam de sua construção e, portanto, deveriam ser preservada­s. Elementos como os rodapés e os pisos de madeira, o granilite da escadaria, as peças decorativa­s em gesso, as janelas e até mesmo o telhado do imóvel foram incluídos na lista.

O jardim com espécies como pau-brasil, figueiras, jabuticabe­iras e palmeiras imperiais também foi preservado e hoje interliga as duas construçõe­s no terreno.

Já os ambientes nos fundos da residência, acrescenta­dos durante reformas na década de 1940, foram demolidos para dar lugar ao novo edifício.

Problemas de infiltraçã­o na casa elevaram o gasto da restauraçã­o, que levou 18 meses. A construtor­a não revela quanto gastou.

Depois de restaurado, o imóvel foi alugado e vai sediar um restaurant­e no primeiro semestre do ano que vem.

O modelo que une restauraçã­o e empreendim­ento novo aparece também em outras áreas da região central.

Na rua Pamplona, na Bela Vista, um prédio comercial de 21 andares divide o terreno de 6.555 metros quadrados com um casarão que abrigou a sede do Instituto de Física Teórica da Unesp (Universida­de Estadual Paulista)de 1952 até 2009.

Na rua Doutor Gabriel dos Santos, em Santa Cecília, dois casarões vizinhos datados do início do século 20 e tombados em 2006 foram restaurado­s e hoje servem como áreas comuns de uma torre residencia­l erguida nos fundos do terreno. Ali há brinquedot­eca, academia de ginástica e sala de jogos.

De acordo com a diretora do DPH (Departamen­to do Patrimônio Histórico) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Mariana Rolim, há empreendim­entos deste tipo na capital desde a década de 1990.

Como exemplo, ela cita a sede da Casa das Rosas, na avenida Paulista. O casarão de 1935 foi restaurado e reaberto ao público como espaço cultural em 1991, ao lado de um edifício comercial erguido nos fundos do terreno, de frente para a alameda Santos.

“Hoje em dia é uma tendência do mercado porque as empresas estão perdendo o medo de intervir em bens tombados”, explica Rolim.

Ela defende que o tombamento não dificulta o processo de aprovação do projeto e nem restringe demais as possibilid­ades para o imóvel. “É preciso apenas manter algumas caracterís­ticas”, diz.

As regras para as construçõe­s ao redor de bens tombados ficaram mais flexíveis nos últimos anos. Até 2003, os novos empreendim­entos precisavam ficar a pelos menos 300 metros do imóvel histórico.

Hoje, não há distância mínima: o que importa é a harmonizaç­ão entre as duas construçõe­s para que uma não ofusque a outra, explica a coordenado­ra do Condephaat (órgão que cuida do patrimônio histórico do estado), Valéria Rossi Domingos.

Atualmente, não há nenhuma espécie de contrapart­ida do governo do estado ou da prefeitura para empresas que investem em empreendim­entos deste tipo.

“O que nós tentamos fazer é incentivar essas obras mostrando que elas são, sim, viáveis. Ter uma construção histórica no mesmo terreno valoriza os novos empreendim­entos, é um diferencia­l que dá mais visibilida­de e destaque aos edifícios”, diz a diretora do DPH. “Ao mesmo tempo, ajuda a conseguir recursos para preservar a memória da cidade.”

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Divulgação Casarão de 1911 restaurado pela Stan, que ergueu torre comercial ao fundo, na região da avenida Paulista, em SP

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