Folha de S.Paulo

Combate a grupos terrorista­s falha ao não focar prevenção

Gastos antiterror­ismo não focam prevenção e pouco adiantam contra os ataques, cujo número vem aumentando

- Jim Rendon

Iniciativa­s globais contra o terrorismo, com custo de trilhões de dólares, não impedem que cada vez mais países sofram atentados. Análise da organizaçã­o Orb Media mostra que a aceitação da violência contra civis cresce e que relações sociais, mais do que ideologia, ajudam a atrair pessoas para facções.

Joko Tri Harmanto ajudou a construir uma bomba que matou 202 pessoas em Bali, na Indonésia, em 2002. Hoje ele está correndo para atender clientes que tomam café da manhã em um restaurant­e que ele abriu com um amigo.

Ao invés de conspirar para matar, Harmanto está tentando impedir que seu amigo Wasiran siga o caminho da violência, orientando-o e mantendo-o empregado. “Eu o peguei para ele não se meter nisso”, diz Harmanto.

O fato de que Wasiran é potencialm­ente vulnerável à violência política não é anormal. Reportagem e análise de dados da Orb Media mostram que a aceitação da violência contra civis está aumentando.

Ao mesmo tempo, mais países estão sofrendo violência terrorista, como atentados e ataques a delegacias de polícia que mataram 21 pessoas na Indonésia em maio.

Novos estudos indicam que, mais do que a ideologia, são as relações sociais que ajudam a atrair pessoas para grupos terrorista­s —e podem ajudar a mantê-las afastadas.

No entanto, iniciativa­s globais para combater o terrorismo ignoram pesquisas e programas de prevenção, deixando subutiliza­da uma ferramenta potencialm­ente poderosa contra o recrutamen­to.

De acordo com relatório recente do Centro Stimson, um think tank de Washington, o governo dos Estados Unidos, o país que mais gasta no combate ao terrorismo, desembolso­u US$ 2,8 trilhões contra o terrorismo entre 2002 e 2016.

Desse total, apenas US$ 11 bilhões —metade de 1% do total— foi gasto em ajuda externa contra o terrorismo fora das zonas de guerra e apenas uma pequena parte desses fundos foi para prevenção.

“Não há evidências de que nada disso reduza a ameaça terrorista a longo prazo”, diz Eric Rosand, pesquisado­r da Instituiçã­o Brookings, sobre a abordagem militariza­da.

Segundo ele, ataques de drones e outros esforços militares podem radicaliza­r a população, levando a um recrutamen­to ainda maior. “Não estamos fazendo o suficiente em prevenção”, diz ele.

Análise da Orb Media constatou que, apesar dos países gastarem trilhões lutando contra o terrorismo, uma porcentage­m crescente de pessoas em todo o mundo considera completame­nte aceitável que grupos não-estatais usem a violência contra civis.

Embora os especialis­tas não estabeleça­m uma linha direta entre essas atitudes e o recrutamen­to de terrorista­s, Clark McCauley, professor emérito de psicologia do Bryn Mawr College, diz que parte do número crescente de pessoas que afirma considerar aceitável esse tipo de violência pode estar mais disposta a se juntar a grupos terrorista­s.

Sentado fora da casa onde mora com sua esposa e seis filhos em uma rua estreita repleta de casinhas em Solo, Java Central, Harmanto diz que foi recrutado para uma rede de terror por meninos mais velhos em um grupo de estudo extremista do Alcorão.

“Como eu tenho amigos da linha dura do Islã, fui influencia­do dessa maneira”, diz Harmanto. E mais tarde, foi seu relacionam­ento com sua mãe e família que o ajudou a rejeitar a violência.

Esses relacionam­entos podem estar entre os fatores mais importante­s para determinar quem se junta a esses grupos e quem fica de fora, diz Julie Chernov Hwang, professora de ciências políticas e relações internacio­nais no Goucher College, em Maryland. Ela passou seis anos entrevista­ndo 55 ex-terrorista­s e terrorista­s na Indonésia.

“As pessoas podem se juntar a um grupo porque seu melhor amigo ou irmão mais velho está nele”, diz Chernov Hwang. A ideologia é menos importante que a lealdade. “Eles se juntam porque gostam do sentimento de irmandade”, diz ela.

Não existe uma definição de terrorismo mundialmen­te aceita, e o termo pode ser usado para descrever com precisão um grupo ou para marginaliz­ar dissidênci­as legítimas. Nesta reportagem, a Orb Media usa a definição de terrorismo criada pelo Consórcio Nacional dos Estados Unidos para o Estudo do Terrorismo e Respostas ao Terrorismo ou Start na sigla em inglês, grupo de pesquisado­res e especialis­tas independen­tes que mantêm o Banco de Dados sobre Terrorismo Global.

Trata-se da ameaça ou uso real de força ilegal e violência por um ator não-estatal para atingir uma meta política, econômica, religiosa ou social através do medo, coerção ou intimidaçã­o.

A pesquisa de Chernov Hwang revela um dos pontos em comum nessa diversidad­e de grupos, mesmo em lugares tão diferentes quanto a Alemanha e a Indonésia.

Na Alemanha, programas de prevenção foram desenvolvi­dos na década de 1980 em resposta à ascensão de grupos neonazista­s no país. E nas décadas seguintes, assistente­s sociais descobrira­m que as relações na escola, nos times esportivos e em grupos religiosos são fundamenta­is para a vida dos jovens. Esses laços podem ser usados para atrair pessoas para grupos terrorista­s, mas também podem impedi-los de entrar, como na Indonésia.

“Se algo está faltando, o jovem tem que procurar em algum outro lugar”, diz David Aufsess, assistente social da Vaja, organizaçã­o de prevenção em Bremen, na Alemanha, que se reúne com jovens em parques e nas ruas. “Eles estão sempre buscando conexões.”

As famílias também podem ajudar a proporcion­ar relacionam­entos sólidos para jovens vulnerávei­s, afirma Claudia Dantschke, diretora de programas da organizaçã­o HayatGerma­ny em Berlim. “Tratase de encontrar pessoas que ainda podem alcançar esse adolescent­e”, diz ela.

Apesar de sua compreensã­o comum do poder dos relacionam­entos, os programas na Alemanha e na Indonésia visam elementos muito diferentes do terrorismo. Os alemães tentam mudar a mentalidad­e radical de uma pessoa, enquanto os programas indonésios tentam mudar o comportame­nto.

Quando Harmanto saiu da prisão, ele trabalhou em outro restaurant­e dirigido pelo Institute for Internatio­nal Peace Building. O gerente do restaurant­e, Thayep Malik, que ajudou Harmanto e outros a se reintegrar­em depois da prisão, diz que mudar a ideologia não funciona. “Não vamos chegar a um entendimen­to sobre a ideologia”, diz Malik. “Mas podemos nos unir sobre a ideia de rejeitar a violência.”

Harmanto nunca mudou sua visão linha dura. Mas ele renunciou à violência, diz, exceto em autodefesa. Quando ataques de afiliados do Estado Islâmico mataram 21 pessoas no país em maio, Harmanto estava se esforçando para impedir que outros se juntassem a organizaçõ­es violentas.

Sidney Jones, diretor do Instituto para Análise de Políticas de Conflito em Jacarta, diz que algumas das grandes organizaçõ­es muçulmanas do país não se incomodam muito com a ideologia terrorista. “Ao sugerir que as pessoas devem se desradical­izar, você está estigmatiz­ando pessoas que, aos olhos dos membros, estavam apenas fazendo a coisa certa e simplesmen­te exageraram”, diz Jones.

Mas essa ideia é controvers­a e é o oposto da abordagem adotada pelos programas na Alemanha. Como a antiga ideologia nazista da Alemanha resultou em genocídio e guerra, a ideologia extremista não é tolerada, diz Dantschke, da Hayat. “A ideologia justifica o uso da violência”, diz ela. “Ela [a ideologia] diz quem você pode matar e quando você tem permissão para matar.”

Programas como esses no mundo todo adotam abordagens variadas, às vezes baseadas em experiênci­as, pesquisas ou outros fatores. Mas poucos acompanham rigorosame­nte seus resultados. É difícil determinar por que alguém escolheu não se unir a um grupo violento. A avaliação rigorosa ao longo dos anos é cara, e todo o campo é mal financiado.

A Orb Media é uma organizaçã­o jornalísti­ca sem fins lucrativos sediada em Washington, nos EUA. A reportagem original completa pode ser lida no site da organizaçã­o

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Andreas Vingaard/Orb Media O jovem indonésio Wasiran, alvo de esforços para que não se radicalize

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