Chinês diz que criou bebês modificados geneticamente
Um pesquisador chinês anunciou ter criado os primeiros bebês editados geneticamente —meninas gêmeas nascidas neste mês. “A sociedade decidirá o que fazer a seguir”, disse He Jiankui à Associated Press, sobre a permissão dessa técnica.
Não surpreende que os primeiros bebês com DNA editado tenham acontecido na China. Com barreiras regulatórias mais frouxas do que a maioria dos países desenvolvidos e uma comunidade científica bem financiada, a potência asiática era o “ecossistema” natural para esse tipo de ousadia (ou temeridade).
Mas vale um olhar crítico quanto ao anúncio, ainda não revisado por outros cientistas —o padrão-ouro de confiabilidade da ciência moderna.
Gerar uma criança com genoma “customizado” é mais simples do que clonar um humano (façanha que foi objeto de vários anúncios falsos na década passada). É algo já realizado de modo rotineiro com diversas espécies de animais.
Tampouco há algo de mágico na modificação escolhida, no CCR5, gene que possui a receita para a produção de uma proteína receptora na superfície das células de defesa. É nessa fechadura que o HIV se encaixa, abrindo as células humanas para a invasão viral.
Algumas pessoas carregam naturalmente uma mutação que faz com que elas não produzam direito o CCR5. Com isso, o HIV não tem como entrar em suas células —elas são imunes à Aids.
Isso só é possível, no entanto, se as duas cópias do gene da CCR5 fossem igualmente inutilizadas (lembre-se de que todo mundo carrega duas cópias de cada gene no DNA, uma do pai, a outra, da mãe). As primeiras informações sobre os experimentos dão conta de que nem sempre esse objetivo foi alcançado —um dos bebês seria só um pouco mais resistentes ao HIV do que a maioria das pessoas.
Ainda, quase toda variação genética envolve custos, além de benefícios. Há indícios de que a falta do CCR5 fragilize o organismo para infecções por flavivírus. E a Crispr pode produzir efeitos não desejados.
Não se pode esquecer que a biotecnologia é um negócio global multibilionário. O anúncio, portanto, soa afoito do ponto de vista científico e tem um inevitável componente de marketing.