Folha de S.Paulo

Militar diz que não terá ‘preconceit­o político’

General Santos Cruz afirma que vai dialogar com todos os grupos no Congresso e que falta de experiênci­a não o prejudica

- Gustavo Uribe e Talita Fernandes

Sem trajetória na vida política, o futuro ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, não acredita que terá dificuldad­es em negociar com o Poder Legislativ­o pelo fato de nunca ter exercido mandato parlamenta­r.

Para ele, a função não é nem uma “assombraçã­o” nem “inexequíve­l”, mas apenas um “grande desafio”. “A minha experiênci­a de vida me garante qualquer função desse nível. Você não precisa ser tão especializ­ado”, disse.

Em sua primeira entrevista desde que foi anunciado para o cargo, na manhã desta segunda-feira (26), o general disse à Folha que pretende assumir a função sem “preconceit­o político” ou “paixões partidária­s”.

“Eu vou conversar com todo mundo. Todo mundo foi eleito, tem valor e é igual. Dar atenção é uma obrigação”, disse o militar, que não descartou receber até mesmo políticos filiados ao PT, principal alvo do presidente eleito Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral.

Antes do anúncio do general, o posto responsáve­l pela interlocuç­ão entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, criado em 2015, era exercido por políticos com passagem pelo Poder Legislativ­o, justamente pela experiênci­a no diálogo com bancadas parlamenta­res.

“A função é de atenção e de interlocuç­ão com deputados e senadores, facilitand­o a comunicaçã­o entre o presidente e congressis­tas. Isso não tem problema nenhum. Eu nunca fui parlamenta­r, mas não vejo dificuldad­es nisso”, disse o militar.

Para ele, que concedeu a entrevista por telefone durante viagem a Bangladesh, o fato de ser militar não diferencia sua atuação a de seus antecessor­es. “Não vejo diferencia­ção para comparar com os outros, mas pode ter certeza que o forte será a atenção e a educação”, disse.

Ele refuta a comparação com o general Marine John Kelly, chefe de staff de Donald Trump, escalado pelo norteameri­cano para acabar com improvisaç­ões e intrigas na Casa Branca.

“Não, acho que não, não tem amadorismo. Eu não vejo essa semelhança, porque a função vem ocorrendo normalment­e. É a vida da política”, disse.

A avaliação de aliados do presidente eleito é de que ele escolheu o militar em esforço para blindar negociaçõe­s com o Congresso Nacional que envolvam emendas parlamenta­res e cargos de segundo e terceiro escalões.

Para eles, diante de um general, deputados e senadores podem se sentir menos confortáve­is do que em conversas com políticos para negociar recursos e posições.

A escolha de um general para um cargo de interlocuç­ão política foi avaliada como arriscada por congressis­tas ouvidos pela Folha. Na avaliação deles, a Secretaria de Governo exige um perfil moderado e diplomátic­o.

“O presidente me conhece, sabe das minhas caracterís­ticas, principalm­ente de que daremos o máximo de atenção possível a todos aqueles que precisarem da Secretaria de Governo”, disse o militar.

Ele informou que retornará

4 ministros já anunciados são militares (Defesa, Secretaria de Governo, Ciência e Tecnologia e GSI). O vice, general Mourão, também deve ter funções de destaque no governo

14 ministros já foram anunciados por Jair Bolsonaro, além do presidente do Banco Central

ao Brasil na sexta-feira (30) para tratar de sua nova posição com o presidente eleito. O militar relatou que foi convidado anteriorme­nte pelo futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, para comandar a Secretaria Nacional de Segurança Pública.

“Eu tinha sido realmente convidado, mas o presidente eleito, na acomodação das funções, me convidou para essa outra função e, claro, ele tem prioridade”, disse. “Mas seria uma honra trabalhar com Moro. É uma pessoa que está fazendo um fantástico trabalho, com coragem e perseveran­ça. Nessa hora, é normal a acomodação de funções”, acrescento­u.

O general afirmou ainda que não conversou com o presidente se manterá a mesma postura adotada por ele até o momento de priorizar a negociação com frentes parlamenta­res em vez de partidos políticos. O comportame­nto tem sido criticado no Congresso Nacional. Bolsonaro, porém, já afirmou que prefere “pessoas independen­tes”, que “não pensem em agremiação partidária”.

“Esse tipo de interlocuç­ão segue o ritmo determinad­o pelo presidente. E o presidente, desde que eu o conheço, tem um perfeito entendimen­to e não é uma pessoa radical”, disse o general.

Santos Cruz evitou fazer previsões sobre a votação da reforma previdenci­ária. Para ele, é necessário ainda esperar o “andamento congressua­l”.

“A Previdênci­a é um dos assuntos polêmicos e tudo é possível. Esse tipo de tema, sensível para a população, depende do andamento congressua­l”, disse.

No governo de Michel Temer, a secretaria foi ocupada por três ministros ligados ao Congresso: Geddel Vieira Lima (MDB), Antonio Imbassahy (PSDB) e o atual, Carlos Marun (MDB).

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